domingo, 12 de outubro de 2008

Buscai pelo que Vive

Jesus disse:
Buscai ‘Aquele que Vive’ enquanto estais vivos,
A fim de que não morras e ao procurá-Lo, sejais incapaz de vê-Lo”.
Isto é uma técnica: “Buscai ‘Aquele que Vive’...” Mas dentro de você existe alguém que é “O que Vive” e outro que já está morto. Dentro de você os dois mundos se encontram, o mundo da matéria e o do espírito – você está justo na fronteira. Em você dois reinos se encontram, o reino da morte e o da vida – você está entre os dois. Se você dedica muita atenção àquele que pertence à morte você sempre estará com medo, sofrendo, aterrorizado. Se você se dedica ao teu imo, que pertence à vida, à vida eterna, à imortalidade, o medo desaparecerá.
Jesus diz: “Buscai ‘Aquele que Vive’ enquanto estais vivos...” E não falhe, porque no momento da morte será extremamente difícil buscar ”O que Vive”.
Se por toda a tua vida você tem se dedicado ao reino da morte – o reino das coisas, o reino da matéria, este mundo – se você só se dedicou ao reino da morte, será difícil, quase impossível, procurar pelo reino da vida quando estiver morto ou à morte. Como você poderá repentinamente dar as costas à sua crença, ou repentinamente mudar sua cabeça? Será impossível, você ficará paralisado. Toda a tua vida tem sido se preocupar com coisas externas, não conseguirá desviar o rosto, não poderás mudar de rumo. Para tal seria necessário um movimento contínuo em direção ao mundo do imperecível.
Enquanto estiveres vivo, “Buscai ‘Aquele que Vive’ enquanto estais vivos...”.
Sempre que houver um momento de silêncio, feche seus olhos e olhe teu interior, para que teu pescoço se mantenha flexível, de outra forma quando a morte vier você estará paralisado. Você gostaria de ver a vida eterna, mas não será capaz por não poder mudar de rumo.
“... a fim de que não morras e ao procurá-Lo, sejais incapaz de vê-Lo”. E Ele está dentro de você, mas você se tornou um obstinado, um obcecado. A obsessão pelo mundo exterior[1] deve ser destruída. Não há necessidade de se isolar nas florestas, isto não ajudaria, mas nas 24 horas de um dia há oportunidades suficientes para dar uma olhada para dentro. Não as perca. Sempre que der tempo, apenas feche os olhos, por um instante que seja olhe para dentro à procura ‘Do que Vive’. Ele está lá, só é preciso um pouco de prática para ver e se sintonizar com a escuridão interior. É escuridão por agora porque você está sintonizado com a luz exterior. Quando você se sintonizar à luz interior, verá que ela é uma luz difusa, mas não é escuridão; é muito calma, consoladora e acolhedora, mas não é intensa – é uma meia-luz.
É como o sol que ainda não surgiu quando a noite já quase se foi. É o que os Hindus têm chamado de Bhrama Muhurta, Porque o chamam de Bhrama Muhurta, o momento de Deus? O chamam assim devido a um fato que ocorre no cerne do ser: quando ele se afina com ‘O que Vive” a luz exterior desaparece e a escuridão interior ainda não se foi, porque apenas quando ocorrer a sintonização a escuridão desaparecerá. Nesse momento existe um meia-luz, sandhyakal, um momento em que não há nem luz nem escuridão. A isto eles chamam de Bhrama Muhurta, o momento do Divino. Sintonize-se, observe, espere, procure. Logo seus olhos se acostumam e você se torna capaz de ver.
Não há uma luz intensa, apenas uma luz difusa, pois não é gerada por um sol. É apenas a sua luz natural, não é gerada por qualquer outra coisa. É sua própria luz, sua própria aura interior – é ela que você vê. Sempre que houver tempo, não o desperdice. E então você encontrará momentos suficientes: quando estiver indo dormir, observe: o dia acabou, o mundo da morte já se foi, você está indo descansar – olhe para o seu interior. De manhã, quando perceber que o sono se foi, não há necessidade de pular da cama e embrenhar-se imediatamente nesse mundo. Espere um pouco, feche os olhos, olhe pra dentro: lá é calmo. Uma noite toda de descanso ajuda, será mais fácil se concentrar no seu interior.
Por isso todas as religiões insistem em que se façam orações ao ir dormir e também quando se retorna do mundo dos sonhos. Estes momentos são especialmente bons: ao anoitecer você já se cansou do mundo, está cheio deste mundo e está pronto para se concentrar em alguma outra coisa. Pela manhã você está descansado e o descanso ajuda, você pode buscar o interior. É isto que Jesus diz: “Buscai ‘Aquele que Vive’ enquanto estais vivos, a fim de que não morras e ao procurá-Lo, sejais incapaz de vê-Lo”. E Ele estará lá, mas você não será capaz de vê-lo apenas por causa de um mau costume que teve por toda a vida.

Eles viram um Samaritano que conduzia uma ovelha em seu caminho para a Judéia.
Ele disse a seus discípulos: Porque este homem conduz uma ovelha consigo?
Eles responderam: Para matá-la e comê-la
Ele lhes disse: Enquanto a ovelha estiver viva, ele não a comerá, mas apenas depois que ele a tiver matado e que a ovelha se torne um cadáver.
Eles disseram: De outra forma ele não poderia fazê-lo.
Vós também buscais um lugar no repouso a fim de que não vos torneis em cadáveres e sejais devorados.”

Seu corpo se tornará comida para os vermes, para os pássaros. Seu corpo é alimento, nada mais, não pode ser outra coisa – seu corpo se forma por força da comida. Por isso que, se você não comer, seu corpo começa a desaparecer. Se você começa um jejum, quase um quilo de seu corpo desaparecerá por dia. Onde está indo o corpo? Todos os dias você precisa enchê-lo de comida – o corpo é um sub-produto da alimentação. Por isso, quando você morre, o que ocorre com o corpo? O mundo o usará como comida: os vermes da terra te comerão, ou os pássaros do céu te comerão. Isto te amedronta, você fica apreensivo porque, “eu serei comido”. Por isso, por todo o mundo, as pessoas têm criado formas para não serem comidos. Mas elas são tolas!
Hindus queimam o cadáver apenas para evitar uma coisa, evitar que o cadáver seja comido. Os muçulmanos botam o corpo num caixão e este em um túmulo apenas para protegê-lo. Os cristãos fazem o mesmo. Só os zoroastristas não têm feito isso: eles deixam que o cadáver vire alimento. São mais naturais sobre este assunto, e mais científicos também, porque você não deve destruir a comida. Você andou comendo pássaros, animais, frutas, por toda a sua vida e agora você tem um corpo com mais que noventa quilos e você o destrói, o queima. Isso não é bom, você não está sendo grato ao mundo. Você deve devolver o corpo ao mundo na forma de comida – ele é comida!
E porque você imagina que incinerar é melhor, jogar um cadáver ao fogo é melhor que permitir que ele seja comido por um verme ou um pássaro ou um animal? Porquê? Já que neles o fogo também queima – no estômago do pássaro, ou do leão – e este fogo dissolverá seu corpo. Mas este é um fogo natural e pelo menos aplacará a fome de alguém, ou alguma coisa.
Apenas os Persas[2] mantiveram a naturalidade com relação a isto, mas mesmo eles estão vacilando agora porque todos dizem, “Isso não está certo, como podem fazer isso com seu pai, com sua mãe... Que tipo de gente vocês são? Vocês são muito cruéis!” Mas e atirar um corpo às chamas, não é cruel? Ou enterrá-lo bem fundo na terra, não é cruel? Os persas são mais ecológicos, completam o ciclo. Hindus, muçulmanos e cristãos são menos ecológicos, eles interrompem o ciclo, o que não é bom.
Jesus diz: “Se você não compreender o Intimo, ”O que Vive”, o Consciente, então, fatalmente você será comido, e isto é tudo”. Tua vida toda tem sido fútil, comendo o tempo todo, trabalhando para poder comer e, finalmente, sendo comido – eis a história toda. “Uma fábula contada por um idiota, cheia de som e fúria e sem qualquer significado”. A vida toda, uma batalha por comida, e finalmente, você vira comida. Qual o significado disso?
Jesus diz: “Antes que você morra, antes que sejas comido, compreenda aquilo que não pode virar alimento em você, que não se originou do alimento”. Aí você entenderá uma outra coisa.
Todas as religiões têm tentando usar o jejum. Porquê? Porque quando você jejua, sua consciência aumenta intensamente, porque ela não é parte afeta à alimentação. Na verdade, o alimento prejudica a consciência, e quando você não come se torna mais consciente, isso porque a comida ocasiona uma sonolência, é intoxicante. Por isso se você come muito, se sente sonolento imediatamente, como se o alimento fosse alcoólico, você come e tem que tirar uma soneca. Se você começar um jejum, achará bem difícil dormir neste primeiro dia. Você acha que é por causa da fome? Não, isto ocorre porque sem o alimento, a consciência se torna mais intensa.
E se você jejuar por um longo período, depois do terceiro quarto ou quinto dia, a fome desaparece, porque o corpo insiste por uns dias: três, quatro ou cinco – o corpo não tem uma memória muito boa – insiste no velho hábito por uns poucos dias e então, se você não lhe dá ouvidos ele se arranja de outra forma. O corpo tem outra forma de se suprir, isto é necessário como medida de segurança. Todo dia você tem de comer para dar ao corpo a sua cota diária. Se você não lhe der comida por cinco, sete dias, o corpo aciona sua medida de emergência: e se volta para as carnes e gorduras que acumulou, o corpo cria reservas.
Todas as pessoas comuns e saudáveis acumulam gordura o suficiente para pelo menos três meses; trata-se de uma reserva. Quanto o corpo acredita que você não lhe fornecerá alimento, começa a se alimentar de suas próprias reservas. Um corpo comendo suas próprias reservas, não envolve de forma alguma a consciência neste processo. Não é necessário faturar, e trabalhar, e se cansar para dar comida ao corpo. E quando você alimenta o corpo, para absorver o alimento, para digeri-lo, toda a sua energia é necessária. Por isso que, assim que você come, se sente sonolento: porque a energia que se usava para ficar consciente está sendo necessária no estômago para trabalhar como uma força digestiva. Esta migração ocorre instantaneamente.
Por isso os que comem muito não podem meditar bem, é impossível! Eles podem dormir bem, não conseguem manter a consciência, não podem mesmo ser muito cônscios. São alimento e nada mais – e serão comidos; sua vida toda é uma cadeia alimentar. Todas as religiões perceberam que se você jejuar, a consciência se potencializa, porque existe uma energia ociosa quando não há nada para digerir. Nada para ser ingerido e nada para ser expelido; todo o trabalho pára. O trabalho na fábrica corporal cessou, a fabrica está fechada. Então, toda a energia que você possua se torna consciência. Por isso é difícil dormir quando você está em jejum.
E se seu jejum já se estende por pelo menos vinte, trinta ou quarenta dias, você terá um tipo novo de sono: seu corpo dormirá mas você se manterá alerta. Foi isto que Krishna disse a Arjuna: “Enquanto todos dormem, um yogi se mantém desperto”. Foi disto que Buda falou, “Mesmo quando durmo não durmo – apenas o corpo dorme”. Por isto quando Mahavir dormia, nunca se movia – nem mesmo um centímetro. Nunca mudava de lado, porque se mantinha alerta. E ele disse: “Me mover não seria bom, pode haver algum inseto rastejando ali” – porque ele dormia no chão ou sob uma árvore – “e se eu me mover no escuro para mudar de lado, pode haver alguma violência - não intencional, mas ainda assim. E se eu posso evitar isso...”[3]. Então ele permanecia em uma única posição por toda a noite, ficava exatamente como deitou, não mexia nem a mão. Só é possível fazer isto se você estiver perfeitamente consciente enquanto dorme, de outra forma você nem perceberá que se mexeu.
Se você se torna consciente, toma consciência de uma dimensão diferente dentro de você. O visível pertence à morte, o invisível pertence ao imperecível.
Jesus diz: “Vós também buscais um lugar no repouso...” Busquem um estado de silêncio, repouso, tranqüilidade, equilíbrio, onde você possa tomar ciência do ‘Que Vive’ “... a fim de que não vos torneis em cadáveres e sejais devorados”.

Jesus disse: Dois repousarão em uma cama: Um morrerá, o outro viverá”.

Exatamente as mesmas palavras são encontráveis nos Upanishads. Lá se diz, que há dois pássaros em uma árvore, um sentado em um galho mais baixo, e outro em um galho mais alto. O pássaro no galho baixo, pensa, se preocupa, deseja, exige, acumula, luta, compete; ele vive em angústia, tensão, pulando de um galho para outro, sempre em movimento, nunca em repouso. O outro pássaro, pousado em um galho mais alto, está em repouso. É tão calmo que parece não existir. Ele não tem necessidades a suprir, como se tudo já tivesse sido atendido, como se ele se sentisse realizado[4], nenhum lugar mais para ir. Ele apenas se senta, gostando de si mesmo, e assiste os movimentos do pássaro no galho mais baixo.
Estas são as duas dimensões dentro de você. Você é a árvore. O que é mais baixo está sempre em tumulto. O que é mais baixo é o corpo e suas necessidades e seus desejos. No galho mais alto, no alto da árvore, pousa o outro pássaro que é uma testemunha, que apenas olha para o passarinho tolo mais abaixo, pulando, criando angústia, ansiedade, raiva, sexo – tudo acontece a ele. Esse outro pássaro é só uma testemunha, apenas segue observando, é só um espectador. E se você se deixa fundir completamente com este pássaro, então você se torna um e uno. Você é a árvore.
Jesus diz a mesma coisa usando um símbolo diferente: “Dois repousarão em uma cama...” Você é a cama. “Dois repousarão em uma cama: Um morrerá, o outro viverá.” Você é a cama ocupada por dois: “... um morrerá, o outro viverá”. Bom, então a questão toda é a qual do dois se deve dedicar maior empenho. Para qual você deve se dirigir, em direção a qual flui toda a tua energia? Qual deles deve ser a tua meta?
Normalmente este um que morrerá é a tua meta. É por isso que você está sempre ansioso, porque está construindo uma casa sobre a areia. Ela ruirá – mesmo antes de completada ela cairá e virará ruína. Você está sempre nervoso por estar tentando assinar na água – antes de completar a assinatura, ela já se foi. Sua ansiedade é porque você está comprometido com o reino da morte e não voltou tua atenção para vida. E em cada cama há dois dormindo – o outro é apenas uma testemunha.
Preste mais atenção neste, dedique-se a ele mais e mais – é isto que significa a conversão. Conversão não é um hindu virar cristão, ou um cristão virar hindu. Isto é bobagem, só se muda o rótulo. Nada mudou porque o interior do homem permanece o mesmo, a mesma velha forma. Conversão significa mover a atenção do reino da morte para o reino da vida. E uma virada: procurar pela testemunha, tornar-se um com ela, perder-se nela, perder-se na consciência. Aí você percebe que o que é perecível perecerá. Não é problema – porque você percebe que você não morrerá, não há mais medo.

Jesus disse: Dois repousarão em uma cama: um morrerá, o outro viverá.”

E depende de você. Se quer ter problemas nunca se preocupe com o Eu Interior, se quer viver sempre angustiado, mantenha-se apenas na periferia, não olhe para dentro. Mas se quer repousar, uma eternidade de paz, de verdade, as portas do Paraíso abertas para você, então olhe para dentro. Isso é difícil, porque é muito sutil. É onde o invisível e o visível se tocam, onde matéria e espírito se tocam, muito sutil mesmo. Você pode ver a matéria, não pode ver o espírito, ele não pode ser visto. Você pode ver onde termina o visível, mas não onde começa o invisível, isto não pode ser visto.
E o que se deve fazer então? Mantenha-se bem na fronteira do visível, e não olhe para ele, olhe na direção contrária. Gradualmente o invisível será sentido. É um sentimento, não é uma aprendizagem; não se pode vê-lo, só senti-lo. É como uma brisa: ela vem, você a percebe, mas não pode vê-la. É como o céu: ele realmente está ali, mas você não pode dizer onde, não pode divisá-lo, nem tocá-lo. O invisível está sempre presente, você faz parte do invisível, mas não pode tocá-lo.
Mantenha-se na fronteira do visível olhando na direção contrária ao visível. É disso que se trata na meditação. Sempre que puder encontrar um momento de paz, feche seus olhos, deixe o corpo, os assuntos do corpo, o “mundo da morte” para trás; o mercado, o escritório, a esposa, as crianças – deixe-os todos. Na primeira vez você não será capaz de sentir nada em seu interior. Hume disse uma vez: “Muitas pessoas têm falado sobre se interiorizar e dar uma olhada lá dentro. Sempre que eu tento não encontro nada – só pensamentos, desejos, sonhos, flutuando por todo lado – um caos”. Você também sentirá o mesmo, e se concluir que não é útil fazer isso várias vezes para ver este caos, você fracassará.
No princípio você verá o caos, porque é tudo que seus olhos podem ver – eles precisam se acostumar. É só ficar lá, olhando os sonhos flutuantes. Eles flutuam como nuvens no céu, mas entre um nuvem e outra algumas vezes você verá o azulado, entre dois sonhos, dois pensamentos, algumas vezes você avistará o céu que existe além. Só não tenha pressa. Por isso é que se diz que se você for apressado não terá sucesso.
Há um ditado zen que diz, “Apreça-te vagarosamente!” É isso aí. Tenha pressa, isto é o certo, pois a morte se aproxima – neste sentido, apresse-se. Mas lá dentro, se você for apressado irá fracassar, pois tirará conclusões apressadas, antes que seus olhos se acostumem. Não tire conclusões apressadas.
Apressa-te vagarosamente. Aguarde apenas! Vá até lá, sente-se e espere. Pouco a pouco o mundo novo do invisível se torna claro, você o percebe. Você se acostuma a ele, então é possível ouvir a harmonia, a melodia, e o silêncio inicia sua própria música. Ela sempre esteve lá, mas é tão silenciosa que são necessários ouvidos muito treinados. Não é como um barulho, é como um silêncio. O som interior é como silêncio, a forma interior é amorfa. No interior não há tempo nem espaço. Coisas ocorrem no espaço, acontecimentos ocorrem no tempo e atualmente os físicos já dizem que estas duas coisas não são separadas; que até o tempo é apenas a quarta dimensão do espaço.
Você só conhece tempo e espaço, o mundo das coisas e dos acontecimentos. Você não conhece o mundo do auto-testemunho. Ele ultrapassa os dois últimos, não está confinado nem no espaço e nem no tempo. Nele há duração sem que haja tempo e há espaço, mas sem altura, largura e profundidade – é um mundo completamente diferente. Você precisará se acostumar com ele, então não seja impaciente – a impaciência é a grande barreira. Já percebi que quando as pessoas começam sua viagem em direção ao mundo interior, a impaciência é a maior das barreiras. Uma paciência infinita se faz necessária. Poderá acontecer no momento seguinte, mas uma paciência infinita é necessária.
Se você for impaciente, a viagem poderá não acontecer por muitas vidas, porque a própria impaciência não permitirá o repouso de que Jesus falou, a tranqüilidade. Mesmo que você já esteja esperando algo, a espera será uma perturbação. Se você crê que algo está para acontecer, algo extraordinário, nada acontece ao final. Se você está esperando, na expectativa de que alguma iluminação ocorra, ela não ocorrerá. Não fique na expectativa. Todas as expectativas pertencem ao mundo da morte, à dimensão do tempo e do espaço.
Nenhuma meta pertence ao mundo interior. Não há outra forma de atingi-lo, a não ser esperando, com infinita paciência. Jesus disse: “Vigie e seja paciente”. E algum dia, repentinamente, você será iluminado. Um dia, quando o padrão vibratório correto surgir, quando você estiver pronto, se iluminará de repente. Toda a escuridão desaparece, você é preenchido pela vida, vida eterna, que nunca perecerá.
[1] O que não está relacionado com o seu Eu interior, o mundo das coisas, o mundo das aparências, o reino da morte. (Nota do Tradutor)
[2] Descendentes dos persas ou seguidores do Zoroastrismo na Índia
[3] A não violência é idéia básica no Jainismo do qual Mahavir ou Mahavira, foi um dos doutrinadores. Qualquer mínima violência deve ser evitada pelos praticantes e mesmo a morte de um inseto é considerada imperdoável.
[4] Mais uma vez a tradução direta não nos socorre, o termo em inglês tem o sentido de atingimento, de alguma meta bem definida, a iluminação talvez, ou a paz espiritual. (Nota do Tradutor).

Feliz daquele que sofreu.

03 de setembro de 1974 – Índia.

3º discurso – II vol. – A Semente de Mostarda (Baseado no Evangelho Apócrifo creditado a São Tomé)

(58) Jesus disse: "Bem-aventurado o homem que sofreu e encontrou a vida."
(59) Jesus disse: "Prestai atenção àquele que vive enquanto estais vivos, para que, ao morrerdes, não fiqueis procurando vê-lo sem conseguir."(133) (60) [Eles viram] um samaritano carregando um cordeiro a caminho da Judéia. Ele disse a seus discípulos: "Por que o homem está carregando o cordeiro?"
Eles disseram-lhe: "Para matá-lo e comê-lo."
Ele disse-lhes: "Enquanto o cordeiro estiver vivo, ele não o comerá, mas somente depois que o tiver matado e que o cordeiro se tornar um cadáver."
Eles disseram-lhe: "Ele não poderia fazer de outro modo."
Ele disse-lhes: "Vós, também, buscai um lugar para vós no repouso, a fim de que não vos torneis um cadáver e sejais devorados."


Desde os mais antigos dias, o homem tem perguntado diversas vezes porque existe sofrimento na vida. Se Deus é pai, então porque existe tanto sofrimento? Se Deus é amor e Deus é compaixão, então porque existe o sofrer? E não tem havido uma resposta satisfatória e este questionamento. Mas se você entender Jesus, entenderá a resposta. O homem sofre porque não há outra forma de amadurecer, de crescer. O homem sofre porque apenas através do sofrimento ele se torna mais consciente. E esta consciência é a chave.
Observe sua própria vida: sempre que você está confortável, calmo, feliz, a consciência é perdida. Nesta condição você passa a viver como se dormisse, vive como um hipnotizado, vive como um sonâmbulo; se move e faz as coisas – mas como faria um sonâmbulo. Eis porque a religião desaparece de tua vida sempre que não há sofrimento. Quando não sofre você nunca vai ao templo, ir não tem sentido para você, não há orações para Deus, e porque haveria? Parece não haver qualquer razão para fazer isso.
Mas quando ocorre algum sofrimento você corre para o templo, seus olhos se voltam para Deus, seu coração se dedica à oração. Há algo no sofrimento que te torna mais cônscio de quem você é, porque você é e onde está indo. Num momento de sofrimento a consciência é intensa.
Nada pode ser sem sentido neste mundo. O mundo é um cosmos e não um caos. Você pode não ser capaz de entender – este é outro problema – porque você conhece apenas os fragmentos, e não o TODO. Sua experiência de vida é como se você tivesse apenas uma folha solta da novela: você a lê mas ela não faz sentido porque se trata apenas de um fragmento, você não conhece a história toda. Uma vez que você conheça a história toda, aquela página se torna compreensível, coerente, cheia de significado.
O que é significado? Significado é conhecer o fragmento em relação ao TODO. Um louco falando pelas ruas não faz o menor sentido. Porquê? Porque você não consegue relacionar o discurso dele com qualquer outra coisa, seu discurso é um fragmento. Mas ele não está tentando falar com ninguém, não existe esta intenção, ele está falando sozinho. Seu discurso é fragmentário, não faz parte de um TODO maior, por isso é incoerente. As mesmas palavras podem ser usadas por um outro homem – exatamente as mesmas – mas ele se dirige a alguém, nesse caso as palavras fazem sentido. Porquê? As palavras são as mesmas, são as mesmas sentenças, são os mesmos gestos, e um dos homens você chama de louco e o outro não. Porquê? Porque há alguém para ouvir; o fragmento não é fragmentário, ele se tornou uma parte de um TODO maior – tem um sentido.
Corte um pedaço de uma pintura de Picasso: este pedaço não fará sentido, é só um fragmento e um fragmento é morto. Bote-o de volta na pintura e repentinamente o sentido aparece. O pedaço se torna coerente porque agora faz parte de um TODO. Só quando você é parte de um TODO é que faz sentido. E se o homem moderno parece se sentir cada vez mais sem sentido é porque ele tem negado a Deus – ou esquecido.
Sem Deus o homem nunca pode ter sentido, porque Deus é o TODO e o homem é apenas um fragmento. Você é apenas uma linha na poesia – sozinho você não passa de um balbucio. Com o poema completo, surge o significado porque o significado reside na relação com o TODO. E lembre-se disso.
Isto me recorda um sonho de Bertrand Russell. Ele era um ateu, nunca acreditou em Deus, nunca pôde ver qualquer sentido mais vasto que pudesse ser o TODO. Ele relata um sonho: uma noite em seu sono, ouviu alguém bater à porta. Então ele, ainda sonhando, foi abrir a porta, e viu um Deus velho parado ali. Ele não podia acreditar em seus olhos porque nunca foi capaz de acreditar em Deus – mesmo sonhando ele se lembrou disso, “Eu não acredito em Deus”. Mas o homem velho pareceu tão esquecido de todos, abandonado por todos, suas roupas eram farrapos e a sujeira manchava sua face e seu corpo.Ele pareceu tão antiquado – quase como uma foto desbotada em que não se pode ver bem o que acontecia – Russell sentiu muita pena Dele. Só para encorajá-lo ele disse, “Entre!”, deu tapinhas nas Suas costas como um amigo e disse, “Anime-se!”. Então de repente ele acordou e o sonho havia sumido.
Esta é a situação do homem moderno, da mente moderna: Deus é antiquado. Você não é sequer contra Ele, ou, no máximo, você tem pena Dele. Através da piedade você pode tentar consolá-Lo, mas Ele não guarda mais um sentido para você – é uma pintura velha, desbotada, inútil, lixo do passado. Ou Ele está morto ou está mortalmente doente, no seu leito de morte. Mas se o TODO está morto, como pode o fragmento ter algum sentido? Se o TODO é antiquado, como pode o fragmento ser novo, fresco e jovem? Se toda a árvore está morta, então qualquer folha da árvore que pense estar viva é simplesmente estúpida. Pode até demorar um pouco mais para que a tal folha morra, mas se a árvore está morta, a folha tem que morrer – já está morrendo.
Se Deus morreu, o homem não pode viver. E o homem está mortalmente doente, porque sem o TODO o fragmento não tem sentido. Mas sempre que você está feliz – momentos de felicidade, não a felicidade de fato – sempre que você está confortável, calmo, quando nada te perturba, aí você imagina que é o TODO. E isso é uma falácia. Quando você começa a sofrer, repentinamente toma consciência de que você não é o TODO. Quando sofre descobre que não é como deveria ser, algo está errado, o sapato está apertando. Alguma coisa está errada e alguma transformação é necessária. Eis o valor do sofrimento.
O sofrimento te dá consciência: te faz sentir que algo deve mudar, você deve se renovar, deve renascer. Como tu és, estais sofrendo, então algo deve ser feito.

“Jesus disse: Bem-aventurado o homem que sofreu, ele encontrou a Vida”;

Parece absurdo e paradoxal! Ele diz: “Bem-aventurado o homem que sofreu”... Sempre chamamos de bem-aventurado o homem que nunca sofreu. Mas você já viu alguém que nunca sofreu? Se algum dia você vir um homem assim, o encontrará completamente juvenil, infantil, sem qualquer maturidade, sem qualquer profundidade, sem qualquer consciência – ele será um idiota. E você jamais poderá dizer que um homem assim seja bem-aventurado.
Apenas alguém que nunca tentou viver, que tenha sempre evitado a vida pode permanecer livre de sofrimentos. É por isso que em famílias muito muito ricas, só nascem idiotas, porque eles são excessivamente protegidos. E quando você protege alguém demais, não se trata de uma proteção contra a morte, é uma proteção contra a vida. Mas esse é o problema: se você quer proteger alguém da morte, terá de protegê-lo contra a vida, porque a vida implica na morte. Por isso não viva se você tem medo da morte – isso é lógica pura – não esteja vivo se você tem medo de morrer, corte todas as dimensões em que a vida ocorre. Então você pode simplesmente vegetar.
Jesus não pode chamar uma vida vegetativa de abençoada, ninguém pode dizer isso. Tal situção é o maior de todos os infortúnios que podem ocorrer ao homem, porque ele nunca crescerá em consciência e maturidade, ele não atingirá graus mais elevados de consciência também, porque estes graus mais altos só passam a existir quando são desafiados. O sofrimento é um desafio: quando você sofre é desafiado, quando existe um problema você é desafiado. Quando você enfrenta o problema, só então você cresce. Mais insegurança, mais crescimento, mais segurança, menos crescimento. Se tudo está seguro ao teu redor, você já está no seu túmulo, já não vive mais. A vida existe enquanto há perigo, a vida sempre existe na possibilidade de se perder. Mas alguém que se perde pode retornar, alguém que falha pode ter sucesso depois.
Napoleão foi derrotado. Ele escreveu em seu diário uma bela frase – algumas vezes homens loucos também fazem belas observações – ele disse, “Apenas uma luta foi perdida, apenas uma batalha foi perdida – não a guerra”. Mas se você quer vencer a guerra, terá que perder muitas batalhas. Se você teme perder uma batalha que seja, você nunca guerreará, será impossível vencer.
Quando quer que você falhe em alguma coisa, esta não será a falha fatal, você pode transcendê-la[1]. Na próxima vez não será necessário repetir o erro, da próxima vez não será necessário cometer o mesmo erro e o mesmo engano, da próxima vez não será necessário sofrer. Um homem sábio sofre tanto quanto um que não o seja, mas de maneiras diferentes a cada vez. Um homem sábio comete tantos enganos quanto – e mesmo mais enganos que um estúpido - mas o sábio jamais comete o mesmo engano duas vezes. Esta é a única diferença: a quantidade pode ser maior, mas a qualidade é diferente. Um idiota pode até não cometer muitos erros, pode até não errar de jeito algum, porque ele nunca se propõe a fazer nada. Você só comete enganos quando faz alguma coisa.
Você pode se extraviar se persegue e busca. Se você só anda na linha, se fica simplesmente sentado em casa, como pode se desviar? Se não faz nada, você nunca cometerá um erro, você será uma pessoa infalível, mas nunca se moverá, pouco a pouco você simplesmente apodrecerá, vegetará e morrerá. Nunca tenha medo de se enganar, apenas se lembre de que não há necessidade de cometer o mesmo erro duas vezes. Porque você comete o mesmo erro duas vezes? Porque da primeira vez que você o cometeu, não aprendeu nada com ele. É por isso que você tem cometido os mesmos erros de novo e de novo e de novo. E as pessoas vão cometendo os mesmos erros, repetindo-os por toda a sua vida; elas vivem num círculo. Por isso os hindus têm chamado este mundo de sansar.
Sansar significa a roda: você apenas repete os mesmos erros de novo e de novo e de novo. As situações podem diferir, mas o erro continua o mesmo, a mesma qualidade de erro. O que isto demonstra? Demonstra que você não está alerta, de outra forma porque cometer o mesmo erro de novo? Cometa outro erro, pois assim você aprende. Ninguém aprende sem cometer enganos. Quando você comete um engano, se obriga a sofrer. Ninguém aprende sem sofrimento. Os hindus dizem que você nasce diversas vezes porque ainda não cresceu.
Apenas uma pessoa “crescida” vai além deste mundo. Os que ainda não cresceram tem que cair de novo no buraco, tem que aprender. E cada aprendizagem é um longo caminho, não há atalhos. Este caminho longo é o sofrimento. Não se proteja contra o sofrimento, antes ao contrário, faça-se sofrer, tão completamente consciente quanto possível. Aceite o desafio, enfrente o sofrimento. Você crescerá através dele. Tente ultrapassá-lo, vá além dele. Não tenha medo, se você tiver medo já estará morrendo. Por isso Jesus diz: “Bem-aventurado o homem que sofreu, ele encontrou a Vida”. E quem sofre se torna mais alerta e esta vigilância é a chave para o templo da vida. Quanto mais alerta você estiver, mais consciência.
Qual é a diferença entre você e as árvores? As árvores são lindas, mas não são mais desenvolvidas[2] que você, porque ficam sempre inconscientes. Uma pedra, uma rocha é de nível ainda mais baixo que as árvores, mais inconsciente. Uma pedra também sofre, mas não tem consciência disso; uma árvore sofre, mas inconscientemente – e se você também sofrer de maneira inconsciente, qual será a diferença entre você e elas? Você será apenas uma árvore que se move.
No fundo, a coisa básica que faz de você um ser humano ainda não ocorreu. A consciência te torna humano. E esta é a beleza da coisa: que quando você se torna consciente o sofrimento desaparece. O sofrimento produz a consciência, mas se você se torna mais e mais consciente, o sofrimento desaparece. Esta lei deve ser entendida: se sua cabeça dói, isto gera consciência, você se torna ciente de sua cabeça; de outro modo ninguém se importa com sua própria cabeça. Você se torna ciente da existência do corpo apenas quando algo dá errado.
Em Sânscrito, eles têm uma bela palavra para sofrimento. O chamam de vedana, e vedana tem dois significados: um deles é sofrimento; o outro é conhecimento. Vedana vem da mesma raiz que veda. Veda significa a fonte do conhecimento. Os que cunharam esta palavra vedana perceberam um fato, que sofrimento é conhecimento. Por isso usaram a mesma raiz fonética para ambos.
Se você sofre, imediatamente se torna consciente. O estômago começa a existir apenas com uma dor de estômago. Antes ele pode ter estado lá mas não estava em sua consciência. Por isso a ciência médica, especialmente a Ayurveda, define a saúde como a ausência de corpo; se você não sente o corpo, está saudável; se você sente o corpo, algo está errado, pois esta sensibilidade existe apenas quando algo vai mal. Se você é um motorista, um barulhinho qualquer no motor e você se torna consciente, de outra forma é só aquele mesmo barulho, contínuo, monótono, então tudo bem. Um barulhinho em alguma parte do motor, ou em outra parte do carro e você toma consciência de que algo está errado. Só quando algo dá errado e que você toma consciência.
E se você se tornar realmente alerta, não se envolverá com o problema, mas ao contrário, sua consciência crescerá mais e mais. Então o segundo fenômeno ocorre: na sua consciência você vem a saber que a doença está lá, o desconforto está lá, o sofrimento está lá – mas que não estão em você, estão apenas ao seu redor, na circunferência. No centro existe apenas a consciência, o sofrimento está na circunferência, como se o sofrimento pertencesse a outro qualquer, você não se identifica com ele. Neste estado a dor de cabeça está lá, mas ela não é dolorosa para você, ela é dolorosa para o corpo e você está apenas consciente. O corpo se torna o objeto e você o sujeito – ocorre um rompimento.
Num estado de consciência todas as pontes são rompidas, a ruptura aparece imediatamente. Você percebe que o corpo sofre, mas a identificação foi destruída. O sofrimento gera a consciência, consciência destrói a identificação – e esta é a chave para a vida.
“Bem-aventurado o homem que sofreu, ele encontrou a Vida”.
Jesus na cruz é apenas um símbolo para o sofrimento final, o sofrimento absoluto, o apogeu do sofrimento. Quando Jesus estava na cruz, no último momento ele fraquejou um pouco. O sofrimento era demais. Não era um sofrimento comum, não era uma dor corporal comum, era angústia – não apenas física, mas uma profunda angústia psicológica, e a angústia era essa: que de repente ele passou a sentir, “Eu fui abandonado por Deus? Porque isto está acontecendo comigo? Não fiz nada de mal. Porque devo ser crucificado? Porque esta dor? Porque esta crucificação? Porque devo sofrer esta angústia?” E Ele perguntou a Deus “Porque?” Ele duvidou.
Este deve ter sido um momento de angústia muito profunda, quando todas as fundações são abaladas e mesmo a sua fé é abalada. A dor insuportável – a humilhação da coisa toda! As mesmas pessoas por quem ele vivera, por quem ele trabalhara, a quem ele servira, para quem ele tinha sido um curador – elas o assassinavam, e sem qualquer razão. Ele perguntou a Deus, “Porque? Porque isto esta acontecendo comigo?” Então, de repente Ele compreendeu o porque, pois naquele momento ele tinha ficado muito consciente; durante a crucificação ele atingiu a perfeita consciência.
Sempre digo que até este momento ele era Jesus, e depois deste momento ele se tornou Cristo. Naquele momento a transformação total ocorreu. Antes Ele esteve se aproximando, cada vez mais, e concluindo, concluindo e concluindo, mas o salto final aconteceu naquele momento: Jesus desapareceu e lá estava o Cristo – de repente ocorreu uma transmutação.
O que aconteceu? Ele disse, “Porque devo passar por este sofrimento? Tu me desamparaste? Fui abandonado?” E imediatamente após esta angústia Ele disse “Não! Seja feita a Tua vontade”. Ele aceitou. O Porque era uma rejeição, porque questionar significa duvidar. Ele compreendeu imediatamente e disse: “Eu aceito, e compreendo. Tua vontade deve ser cumprida, não a minha, porque minha vontade será falha”. Então Ele relaxou, houve um “que-assim-seja”, a rendição final. No momento da morte, ele aceitou inclusive a própria morte. Com esta aceitação ele se tornou Vida Eterna. A chave foi encontrada. Por isto Ele diz:
“Bem-aventurado o homem que sofreu, ele encontrou a Vida”.
Da próxima vez que você sofrer, não se queixe, não transforme isto em angústia. Antes, vigie o sofrimento, sinta-o, veja-o, observe-o sob todos os ângulos possíveis. Faça do sofrimento uma meditação e veja o que acontece: a energia que gerava a doença, a energia que criava o sofrimento, se transforma, sua qualidade muda. A mesma energia se transforma em consciência, pois não existem duas energias em você a energia é única. Podes transformá-la em sexo, podes ainda transformá-la em amor, podes transformá-la de maneira ainda mais elevada e fazê-la uma oração, ou, de maneira ainda mais elevada transformá-la em consciência – a energia é a mesma.
Quando você sofre, está dissipando energia, na tua angústia desperdiças energia, a energia está vazando. Quando ocorrer um sofrimento, fique atento. Feche seus olhos e examine atentamente o sofrimento. Seja de que tipo for – mental, físico, existencial – seja qual for o tipo, examine-o, medite sobre ele. Examine-o como se fora um objeto.
Quando você encara o seu sofrimento como um objeto, você se distingue dele, não mais se identifica com ele, a ponte é quebrada.E então, a energia que seria usada para criar o sofrimento não o fará, porque a ponte não mais existe. A ponte é a identificação: Você imagina que é o corpo, então a energia vai em direção ao corpo. Seja lá com que você se identifique, sua energia se voltará para lá.
Talvez você não tenha percebido isto ainda, mas pode tentar um experimento simples: se você ama uma mulher, apenas sente-se ao seu lado e sinta-se conectado[3], como se você fosse a mulher, a amada; e permita que a mulher se sinta como se fosse você, o amante. Apenas espere se sentindo conectado. De repente ambos sentirão um choque de energia. Ambos sentirão que alguma energia se deslocou do outro para você. Amantes têm relatado que é como se uma energia pulasse como um raio e atingisse o outro. Sempre que você se identifica com algo surge uma ponte, e a energia pode se locomover através desta ponte.
Quando uma mãe amamenta o seu filho, ela não está apenas dando leite, como sempre se pensou. Agora os biólogos têm se surpreendido com um fato mais profundo, e dizem que a mãe também provê energia – o leite é apenas a parte física. Eles têm feito muitos experimentos: criam os bebês, dão comida – tão perfeitamente quanto possível, tudo o que é conhecido pela ciência médica. Tudo isso é fornecido, mas a criança não é amada, nem acariciada, a mãe não o toca. O leite é dado através de mecanismos, injeções são dadas, vitaminas são dadas – tudo perfeito. Mas a criança pára de crescer, começa a encolher, como se a vida estivesse saindo dela. O que está acontecendo? Pois tudo o que uma mãe daria está sendo dado.
Algo Semelhante aconteceu durante a guerra, muitos bebês órfãos eram postos em um hospital. Em poucas semanas estavam quase mortos. Metade deles acabava morrendo, mas todos os cuidados estavam sendo prestados. Cientificamente o hospital estava absolutamente correto, fazendo tudo o que era necessário. Mas porque estas crianças morriam? Então um psicanalista observou que elas precisavam de carinho, alguém para abraçá-las, alguém que as fizesse sentir importantes. O alimento não alimenta o suficiente. Jesus diz, “Nem só de pão o homem viverá”. Um alimento íntimo, um alimento invisível se faz necessário. Então o psicanalista criou uma regra de que qualquer um que entrasse no quarto – uma enfermeira, um doutor, um servente – deveria gastar pelo menos cinco minutos brincando e abraçando as crianças. Repentinamente elas não mais morriam e começaram a crescer. A partir deste, muitos experimentos tem sido feitos.
Quando uma mãe abraça uma criança, a energia flui entre eles. Essa energia é invisível – a temos chamado de amor, aconchego. Algo salta da mãe para a criança, e não apenas da mãe para a criança, mas da criança para a mãe também. É por isso que uma mulher nunca é mais bela do que quando se torna mãe. Antes alguma coisa faltava, ela não estava completa, o círculo não se fechava. Sempre que uma mulher se torna mãe o círculo se completa. Uma graciosidade a atinge vindo de uma fonte desconhecida. Então, não é apenas a mãe que alimenta o bebê, o bebê também alimenta a mãe. Eles se felicitam um no outro.
E não há outro relacionamento que seja tão próximo. Mesmo amantes não são tão íntimos, porque a criança originou-se da mãe, de seu próprio sangue, sua carne e ossos; a criança é como uma extensão da existência da mãe. Uma tal cumplicidade não pode ocorrer de outra forma, pois ninguém pode ser tão íntimo. Um amante pode estar próximo do seu coração, mas o bebê viveu através de cada pulsar do seu coração. A batida do coração da mãe foi a batida do coração do bebê, por algum tempo o bebê não teve outro coração; o sangue da mãe circulou através do bebê, ele não era um ser individuado, era apenas uma parte de sua mãe. Por nove meses ele existiu como uma parte de sua mãe, organicamente unido, uno. A vida de mãe foi a sua vida a morte da mãe teria sido a morte dele. Mesmo depois disso: uma transferência de energia, uma comunicação energética ainda ocorre.
Quando ocorrer um sofrimento, mantenha-se consciente; assim a ponte é quebrada, e então não há transferência de energia para o sofrimento. E pouco a pouco o sofrimento encolhe, porque o sofrimento é o seu bebê. Você lhe deu a vida, você é a causa, e mais, você o alimenta, lhe dá de beber, por isso ele cresce e por isso você sofre mais. Então você reclama, se sente miserável, toda a sua atenção se identifica com o sofrimento.
Ouvi dizer que uma vez aconteceu o seguinte: Duas idosas se encontraram no mercado. Uma perguntou a outra como ela se sentia, porque essa senhora sempre se sentia doente. Há mulheres que sempre se sentem doentes. Há algo errado, mas não é a doença, é algo mais profundo, uma neurose, porque elas não conseguem se sentir bem se não estão doentes; a enfermidade se tornou parte do ego delas. Ela perguntou, “Como você se sente”?
A mulher que sempre estava doente ou falando sobre doenças começou. Ela disse: “Muito mal – nunca estive tão mal. A artrite está a toda. Eu tenho uma fortíssima dor de cabeça, e a dor de estômago é terrível, além disso, minhas pernas doem...” e foi em frente por um longo período.
A outra disse: “Então vá a um doutor, oras”.
A “doente” disse, “Sim, sim, só estou esperando me sentir um pouco melhor”.
É isso que tem acontecido: você irá ao médico quando se sentir um pouco melhor. Mas ninguém vai – quando se sentem um pouco melhor, acham que não há necessidade. Vá ao médico enquanto você está sofrendo, ore enquanto está sofrendo, medite enquanto está sofrendo. Não diga: “Meditarei quando me sentir um pouco melhor”. Isso não vai funcionar – você não meditará, e terá perdido um momento abençoado, um momento de sofrimento. Medite, fique alerta e cônscio. Não perca a oportunidade, ela te trará a bem-aventurança!
Use todo o sofrimento para meditar e logo você perceberá que o sofrimento desaparece, porque a energia passa a se direcionar para o interior. Não mais se dirigirá para a periferia, para o próprio sofrimento, você não está alimentando o seu sofrimento. Parece ilógico, mas esta é a conclusão a que chegam todos os místicos do mundo: que você nutre o seu sofrimento e se alegra com isso de uma forma bem sutil, você não quer se sentir bem.- deve haver alguma vantagem nisto.
Buda, Jesus, Zaratustra, têm falado em vão, você não os ouve. Eles dizem que existe a possibilidade da bem-aventurança final. Você os ouve e diz: “Tudo bem, um dia eu procuro isso aí, quando me sentir melhor”. Mas se você está feliz, qual a necessidade? É por isso que Buda continua a insistir: “A vida toda é sofrimento, dukkha – não espere! A vida que você leva não te trará felicidade. Acorde e perceba. É a própria angústia que você anda chamando de vida”. Muitos acham que Buda foi muito pessimista. Ele não era, só estava enfatizando. E você se tornou tão apegado ao seu sofrimento que já não percebe isso.
E como isso ocorre? Bem no começo, na mais tenra infância, uma coisa quase sempre dá errado, trata-se de que, quando uma criança fica doente, sempre recebe mais atenção. Isto cria uma falsa associação: a mãe ama a criança mais, o pai tem mais cuidado com ela; toda a família a põe bem no centro, ela se torna a pessoa mais importante. De outra forma, ninguém liga para a criança – se ela está bem, que ótimo, é como se ela nem existisse. Quando ela está doente, se torna uma ditadora, ela impõe seus termos. Finalmente o truque é aprendido, que quando você fica doente se torna de alguma forma especial; todos prestam atenção em você, porque se não prestarem atenção você os faz se sentirem culpados. E que ninguém pode te acusar de nada, porque ninguém vai poder te responsabilizar por sua doença.
Se a criança está fazendo algo errado você pode dizer, “Você é o culpado”. Mas se ele está doente você não pode dizer nada. Porque a enfermidade não está sob o controle da criança – o que ela pode fazer? Mas você não conhece todos os fatos: noventa por cento das enfermidades são autocriadas, geradas pelo próprio doente para atrair atenção, afeição, relevância. E uma criança aprende o truque rapidinho, porque o problema básico para uma criança é que ela se sinta desamparada. O problema básico que a criança sempre sente é que ela é impotente enquanto todos são poderosos.Mas quando ela adoece se torna poderosa e todos ficam impotentes. Isto é o que ela descobre.
Uma criança é muito sensível para descobrir coisas. Ela percebe que “Mesmo papai é menos importante, mamãe é menos importante – ninguém é mais importante que eu quando fico doente”. Então a enfermidade está oferecendo algo muito significante, e se torna uma estratégia para obter ganhos. Sempre que a criança se sinta negligenciada na vida, sempre que ela sinta que “Eu estou desamparada”, ficará doente, a criança criará a doença. E este é o problema, um problema grave: porque o que você pode fazer? Quando uma criança adoece todos são obrigados a lhe dar atenção.
Mas agora os psicólogos recomendam que quando a criança ficar doente, tomemos conta dela, mas não lhe prestemos atenções especiais. O tratamento deve ser médico e não psicológico. Não crie qualquer associação na mente da criança de que aquela doença é vantajosa, de outra forma por toda a vida da pessoa, sempre que ela sentir que algo está errado, ficará doente. Desse modo a sua esposa não poderá dizer nada, ninguém poderá culpá-lo, porque ele está dodói. E todos terão dó dele e lhe darão afeição.
Noventa por cento do sofrimento existe porque você associou algo que é bom para você com o sofrimento. Descarte essa associação! Ninguém mais pode fazer isso por você. Livre-se completamente da associação, destrua-a completamente! O sofrimento é apenas desperdício de energia. Não se deixe envolver por ele, não pense que compensa. Existe apenas uma forma do sofrimento compensar, e é a consciência. Torne-se consciente.
Lembre-se de como descartar a tal associação: primeiro, nunca comente o seu sofrimento. Sofra-o, mas não o comente. Porque você fala sobre suas dores? Porque as pessoas continuam a falar e perturbar os outros com os seus sofrimentos? Quem liga? Só para não te ofender, se você começa a falar de tuas doenças e angústias, as pessoas tem que te tolerar – mas começam a fugir, começam a desejar alguma forma de se afastar de você. Ninguém quer te ouvir, porque eles mesmos já estão cheios de sofrimentos seus. Quem liga para o teu sofrimento? Não comente suas dores, porque esta falação cria a associação.
Não se queixe, porque com isto você implora por afeição, dó, compaixão, amor. Não implore, não venda o seu sofrimento – pare de investir na dor. Sofra privativamente, não torne isto público – então a dor se torna uma tapascharya, um sacrifício[4], um dos melhores. Mas observe os seus santos[5]: se eles fazem tapascharya, sacrifícios, o fazem muito publicamente. E eu disse sofra discretamente, assim o sofrimento se torna tapa, sacrifício. Estes santos tornam seu sofrimento público, anunciam que passarão por um longo jejum – todos tem que saber.
Estes são crianças enlouquecidas, pessoas infantis. Eles investiram mais que você: dependem de seu sofrimento, seu prestígio depende de seu sofrimento – por quanto tempo podem jejuar, ou por quanto tempo podem atrair a atenção de todo o país ou de todo o mundo. São grandes enganadores, usando o sofrimento para explorar os outros. Mas isso é o que todos fazem, só que os santos o fazem no nível mais elevado. Não faça isso, não tente ser um mártir, é inútil. Não seja um exibicionista.
Sofra discretamente, tão discretamente que ninguém nunca saiba que você está sofrendo. E então medite sobre a dor: não a desperdice, acumule-a em seu interior, feche seus olhos e medite sobre ela. Assim a ponte é quebrada. Esta é a técnica para usar no sofrimento, use o sofrimento como um método.
É isto que Jesus pretende quando diz: “Bem-aventurado o homem que sofreu, ele encontrou a Vida”. O sofrimento pertence ao reino da morte, a consciência pertence ao reino da vida. Quebre a ponte e perceberá que algo em você, ao seu redor, está morrendo – o que pertence à morte; e algo dentro de você, sua consciência, não está morrendo, ela é imortal, pertence à vida. Por isso o sofrimento pode te dar as chaves da vida.
[1] No sentido de falhar ainda mais gravemente – Nota do Tradutor.
[2] No sentido de desenvolvidas espiritualmente – Idem.
[3] Como se os dois fossem apenas um, em profunda identificação (Nota do Tradutor).
[4] Usamos a palavra sacrifício devido à dificuldade de tradução direta. Tem-se a intenção de tratar aqui dos esforços desprendidos na busca do ascetismo religioso (Nota do Tradutor)
[5] Cabe lembrar que o autor é indiano escrevendo para indianos, os santos a que se refere nesta passagem são os faquires e congêneres, que passam por provações com intenção religiosa. (Nota do Tradutor).

Segunda tentativa

Meus amados leitores, através dessa venho agradecer pela imensa repercussão de meu trabalho de tradução NÃO AUTORIZADA do Oitavo discurso constante do Livro The Mustard Seed do Rajneesh (OSHO). Tendo em vista as milhares de perguntas, elogios, críticas e comentários, venho a partir desse momento, oferecer nosso segundo trabalho. Do mesmo livro pincei o Terceiro Discurso do Segundo Volume... espero que, como eu, os Senhores se sintam atraídos por essa interessante visão da nossa religiosidade.

Farei a publicação em dois estágios, o que espero simplifique leitura e entendimento.
Sds.
E continuem participando.

terça-feira, 29 de julho de 2008

A distinção primordial - O CIRCULO INTERIOR.

1. "Quando fizerdes do dois um e quando fizerdes o interior como o exterior, o exterior como o interior, o acima como o embaixo e quando fizerdes do macho e da fêmea uma só coisa, de forma que o macho não seja mais macho nem a fêmea seja mais fêmea, (...), então, entrareis (no Reino).”[EN1]

2. A maior e mais profunda distinção é entre macho e fêmea. Já percebeu que você nunca esquece se alguém é macho ou fêmea? Você pode esquecer o nome, pode esquecer a religião, pode esquecer completamente o rosto, mas você nunca esquece se a pessoa era homem ou mulher. É impossível, ao que parece, esquecer esse fato. Isto significa que o impacto mais profundo em sua memória é deixado pela divisão.

3. Alguém que você conheceu à vinte anos atrás: você não lembra de nada – a face desapareceu, o nome desapareceu – mas e se esta pessoa era homem ou mulher? Isso permanece, isso se impregna. Esta característica foi a que mais impactou você, como se a primeira coisa que você busca saber sobre uma pessoa é se ela é homem ou mulher; a primeira coisa procurada e a última coisa que permanece na memória. Esta busca pode não ser muito consciente, mas que sempre que olha para uma pessoa a primeira coisa que percebe claramente é se é um homem ou uma mulher. Você se comporta diferentemente caso seja mulher ou homem. Se é uma mulher o seu “homem interior” se sente atraído quer você saiba disso ou não. Você pode estar inconsciente do fato, mas seu comportamento se torna mais terno.

4. Atualmente as pessoas que tem lojas, já perceberam isso bem, por isso todos os vendedores estão gradativamente sendo substituídos por vendedoras, Vai acabar sendo assim: se os compradores forem homens é melhor ter vendedoras, pois assim o comprador não poderá dizer não tão facilmente como diria a um homem. Quando uma mulher põe um sapato no seu pé – uma linda mulher – de repente o sapato deixa de ser importante, se torna secundário. Ele pode até estar apertando aqui e ali e ainda assim você diz: “Lindo! Está ótimo!” e você tem de comprar. Você está comprando a mulher e não o sapato.

5. Por isso em todos os anúncios: seja razoável ou não, tenha relação ou não, seja consistente ou não, não faz diferença se você vende carro, sapato ou o que quer que seja, você tem de colocar uma mulher nua alí por perto.Porque não é o carro que se compra mas sim a mulher que está no carro. Sexo é comprado e vendido e todo o resto é superficial.

6. No fundo você procura por sexo – em qualquer lugar! Jesus diz que você não será inocente se esta busca por sexo continuar. Dessa forma você continuará dividido: se você é homem está a procura de uma mulher; se você é uma mulher procura por um homem. Desta forma o olhar continuará se preocupando com o externo, não pode se voltar para o interno. Você não consegue se dirigir para o interior, não consegue se tornar meditativo. A mulher te perturbara, ela te perseguirá. Se você resistir, se lutar, se fechar seus olhos, ela se tornará cada vez mais bela, ela te tentará.

7. O que fazer? Como transcender esta dualidade? Já foram usados muitos métodos. A maioria deles não passa de decepções. Alguns dizem: “Pense em todas as mulheres como suas mães”, mas isso não fará grande diferença, é uma decepção. “Pense em todas elas como suas irmãs” – não faz diferença, porque ela continua sendo mulher. Seja ela sua irmã ou mãe, não faz diferença, ela continua mulher e você continua homem. Uma busca profunda se perpetua e ela é tão biológica que ocorre em seu inconsciente, é um “fluxo subterrâneo”.

8. Observe! Você está sentado na sua sala e entra um mulher. Observe a si mesmo, veja o que acontece. De repente você se torna uma pessoa diferente! E se ela for linda a transformação é ainda maior. O que houve? Repentinamente você desaparece, apenas o homem existe, você não está mais lá, apenas os hormônios sexuais estão. Eles começam a funcionar e te põe de lado, sua consciência é perdida, você está quase desmaiado, e se comporta como se estivesse bêbado.

9. Até agora não fomos capazes de encontrar álcool mais forte que o sexo, droga mais poderosa que o sexo: o sexo muda tudo imediatamente. Se você usar LSD as coisas ficam mais coloridas – Sexo é um LSD endógeno. Sempre que você está sensual as coisas se tornam mais coloridas; tudo se mostra diferente, com um brilho diferente, você se sente mais vivo, não anda, corre; não fala, canta. Sua vida se torna uma dança, você vive uma compreensão diferente.

10. Sempre que não há sexo, de repente você está de volta o mundo sem graça, o mundo das coisas, sem cores, sem brilho. Não consegue cantar, não consegue correr, tudo fica letárgico. Um outro homem ou mulher entra em tua vida outra vez e tudo ganha cores de novo, esta pessoa se torna o futuro romance, a poesia a ser feita. O que está acontecendo? E se a mesma coisa se repete, você permanecerá na dualidade – a mais profunda delas. Esta dualidade não te permitirá ver o real. E o real é bem-aventurança, ele não é feliz, nem é triste.

11. O real está além da felicidade ou infelicidade. Ele não é tenso nem relaxado, não é trevas e nem luz, ele é o que transcende. Quando todas as dualidades cessam, você se torna bem-aventurado. Os hindus chamam este estado de ananda – que significa “além do dual”. Não se pode dizer que um sábio é feliz. Ele não é feliz, pois a felicidade forçosamente será seguida pela tristeza. Não se pode dizer que um sábio é infeliz. Um sábio é bem-aventurado, ele deixou a dualidade para trás. Para ele já não existem montanhas e vales, ele se move entre as pessoas, ele se move em um único nível. Não existem altos e baixos pois “alto” e “baixo” nada mais são que dualidades.

12. Por isso Jesus diz: “Quando nada existe acima e nada existe abaixo, sem alto e nem baixo, quando não existem dois então já não há mais como escolher e você simplesmente vive.” E essa existência ocorre em um único nível: não há ondas, o oceano fica absolutamente silencioso e sem ondas, nem sequer uma marola, já que nada se coloca acima e nada se coloca abaixo. O oceano se tornou liso como um espelho, sem marolas, toda a agitação cessou.

13. Toda a agitação existe por causa da dualidade, e o sexo é a mais básica das dualidades. Você pode se abster de todas as outras coisas muito facilmente, mas a coisa básica de se abster é de sexo. E isto é muito difícil porque o sexo está em cada célula de seu corpo, cada célula do seu ser – você é um ser sexual, você nasceu como um ser sexual. Por isso Jesus disse: “A não ser que nasças de novo, nada poderá te ajudar.” Assim, como você é, permanecerá tenso, assim permanecerá infeliz.

14. “E quando fizerdes o macho e a fêmea um só, de tal forma que o macho não seja mais macho e a fêmea não seja mais fêmea, então entrareis no Reino.”[EN2]

15. Então o que deve ser feito? Deve-se fazer um círculo interior. Jesus não chegou a dizer exatamente o que deveria ser feito porque estes segredos não podem ser entregues abertamente, eles podem ser entregues apenas à discípulos. É provável que Jesus os tenha dado a seus discípulos, já que apenas por dizer, “Tornem-se um!” ninguém atingiria este resultado. Apenas dizer que o macho deveria tornar-se fêmea e a fêmea deveria tornar-se macho, ninguém se tornaria uno, porque este é o objetivo. Qual o método a usar?

16. Jesus deve ter mantido o método secreto. Deve tê-lo entregue a seus discípulos como uma chave secreta, porque estes segredos maiores, que podem te tornar uno, são também muito perigosos. Se você erra, e os aplica de forma minimamente errada, você enlouquecerá. Este é o problema e este é o perigo.

17. Normalmente, assim como você é, és um ser divido: sua energia masculina buscando a energia feminina fora de si mesmo, sua energia feminina buscando a energia masculina fora de si mesma – assim é um ser humano normal. Mas para se tornar uno, todo o processo deve ser transformado de tal forma que sua energia masculina busque a energia feminina dentro de você. O homem interior tentar encontrar a mulher interior é algo muito perigoso, porque não foi a natureza que criou esta necessidade.

18. A natureza te deu uma necessidade de encontrar uma mulher, de encontrar um homem, e essa urgência é natural. Mas tentar fazer esta busca ocorrer dentro de você mesmo, não é natural. A chave deve ser utilizada, com muita, mas muita, delicadeza. Somente com a supervisão de um Mestre isto pode ser feito, alguém que já tenha cruzado esta senda. É por isso que os mais profundos segredos da religião não podem ser passados por escrituras, mas só através da iniciação.

19. Eu te darei algumas dicas mesmo assim, de como isso pode ser feito. Mas lembre-se bem: se quiser seguir as dicas tenha cuidado para não fazer nada diferente do que eu disser, não se desvie, ou as coisas podem sair bem erradas. Melhor seria, então, ficar normal, porque muitos religiosos enlouqueceram. E esta foi a razão: você tem a chave mas não sabe usá-la, por isso pode usá-la de forma errada. E se a chave for usada de forma errada, a fechadura é comprometida; e aí será muito difícil repará-la.

20. Esses métodos são para serem usados sob a supervisão de um Mestre, para que ele fique continuamente observando o que está acontecendo com você. Estou dando a vocês algumas dicas porque eu estou aqui[1], e se quiser tentar pode tentar.

21. Em primeiro lugar: sempre que fizer amor, com uma mulher ou um homem, este é o momento certo para procurar pela mulher interior ou o homem interior. Sempre que fizer amor com uma mulher, faça com os olhos fechados, faça disso uma meditação. A mulher externa sempre ajuda a interna a acordar. E quando você fizer amor, suas energias internas, tanto masculina como feminina, estarão no pico. Quando ocorre o orgasmo, não é algo entre você e a mulher externa, é algo que ocorre entre você e sua mulher interna.

22. Então, se você estiver alerta, perceberá que está acontecendo um fenômeno de encontro de energias internas. E sempre que isso ocorre, o orgasmo ocorre por todo o corpo; não será algo localizado, não estará confinado ao centro sexual. Se o orgasmo é confinado ao centro sexual, nada mais é que masturbação. Orgasmo significa que todo o corpo se agita, cada fibra do corpo se agita com uma nova vida, com uma nova energia, porque bastante energia é liberada pelo encontro. O encontro está ocorrendo dentro de você, mas se você continuar a olhar para o exterior, não perceberá.

23. A mulher exterior ou o homem exterior, são apenas representações dos que existem no teu interior. Quando você se apaixona por um homem ou mulher, isto só ocorre porque de alguma maneira este homem ou mulher se identifica com o homem ou mulher interior. Por isso você não consegue justificar porque está apaixonado por esta pessoa, é que o sentimento não é de forma alguma racional.

24. Você carrega uma mulher em seu interior. Quando quer que qualquer mulher se pareça com esta mulher interior, imediatamente você se apaixona. O amor não está sob o teu controle, não é a tua mente que está se apaixonando, trata-se de algo muito inconsciente. Nessa mulher você reconhece algo, e imediatamente sente que ela é a pessoa certa.

25. O que faz desta mulher a pessoa certa? Pois para os outros ela não é a pessoa certa: haverão pessoas que a odiarão; haverão pessoas que sentirão repulsa por ela. Existirão pessoas que nunca dariam a esta pessoa um segundo olhar; haverão pessoas que não verão absolutamente nada nesta mulher. E haverão pessoas que vão rir de você: “Como você está se apaixonando por esta mulher. Enlouqueceu?” Mas esta mulher ou este homem, de alguma forma, se identifica com os que existem por dentro. É por isso que o amor é algo irracional: quando ele acontece, acontece – e não há nada que você possa fazer; e se ele não está acontecendo também não há nada a fazer.

26. Quando você faz amor com uma mulher, a energia interna atinge um pico, chega ao ponto mais elevado. Neste ponto não vá ficar olhando o exterior, de outra forma você não perceberá algo lindo que está acontecendo, algo muito misterioso que está acontecendo por dentro: você está se tornando um círculo. Seu aspecto masculino e feminino estão se encontrando, você está se tornando Ardhanarishwar. Neste momento todo o seu corpo vibrará, dos dedos dos pés até a cabeça. Cada nervo do corpo vibrará cheio de vida, pois este círculo se espalha por todo o corpo. Não é algo sexual, é mais do que sexo. Observe! Preste atenção quando chega o pico, o encontro das energias interiores. E então observe quando passar esta onda, e começar o abismo. Observe como, paulatinamente, as energias se separam novamente.

27. Se você fizer isso algumas vezes, logo tomará ciência de que a mulher ou homem exterior não são necessários. Sexo pode ser feito sem o “exterior”, pois já está acontecendo sem o “exterior”, o “exterior” nada mais é que um gatilho. Este gatilho pode ser criado dentro de você. Assim que souber como, você pode criá-lo em seu interior. Mas isto deve ser vivenciado, só assim você saberá – Não posso dizer como é. Você tem de observar, olhar, e então você saberá como as energias se aproximam, como ocorre o orgasmo; como as energias se separam outra vez, e outra vez o dual toma o controle.

28. Por um instante o uno acontece em você. Por isso o sexo é tão atrativo, por isso tanto prazer deriva do orgasmo – porque por um instante te tornas uno, o dual desaparece. E no momento do orgasmo, a mente não existe. Se a mente estiver presente não pode haver orgasmo. No momento do orgasmo não há sequer um pensamento, todo o prisma é deixado de lado. Você É, mas sem pensamentos. Você existe, mas sem mente.Isto acontece tão instantaneamente que é provável que você facilmente não perceba, você tem deixado de perceber por muitas vidas. É um instante tão pequeno que se você estiver interessado no exterior, já o terá perdido.

29. Então feche seus olhos e observe o que ocorre por dentro. Não tente fazer nada acontecer, apenas observe o que quer que aconteça. Aos poucos a coisa ocorre, exatamente como quanto você entra em um quarto após ter andado no sol. Você entra no quarto e tudo está escuro, você não consegue ver nada porque seus olhos ainda não se acostumaram à escuridão. Espere! Sente-se continue a observar silenciosamente. Aos poucos a escuridão desaparecerá e você terá consciência das coisas, agora que seus olhos se acostumaram.

30. Passar do exterior para o interior é um grande problema apenas porque os seus olhos estão acostumados com o exterior. O interior parece escuro – e quando você está finalmente pronto o momento já passou. Então medite cada vez mais com os olhos fechados, e olhe para o interior até que você entre na mesma freqüência da escuridão interior. O interior não é escuro, apenas parece escuro para você porque você está acostumado com a luz do exterior. Aos poucos, uma luz difusa surge, as coisas se tornam claras; chega um momento em que as coisas são tão claras que você vai achar que o exterior é a escuridão.

31. Reporta-se que Arvind uma vez disse: “Quando pela primeira vez eu soube como é o interior, a luz que existe do lado de fora tornou-se como trevas.” A vida externa tornou-se igual à morte, porque agora algo mais elevado, algo mais grandioso, algo oriundo da fonte estava acontecendo.

32. Observe como surge o círculo interior, como as duas energias se tornam uma. Nesta unicidade não há mente e não há pensamento.Veja! Pouco a pouco, você será capaz de ver o que está acontecendo. E uma vez que você saiba o que está ocorrendo o exterior pode ser desprezado. – não é preciso fazê-lo, mas é possível fazê-lo.

33. A mulher é linda, o homem é lindo. Amar é bom, não há nada errado com isso, é saudável e pleno. Não há porque desistir disso, mas pode-se desistir, e então você não será mais dependente de sexo. Então será possível permitir o fenômeno acontecer dentro de você. E chega o momento em que o círculo interno se torna perpétuo. Motivado pelo exterior o círculo não pode ser perpétuo, pois o externo tem de se separar, a separação é uma necessidade. Mas motivado pelo interior não há necessidade de separação, se as núpcias internas ocorrem não haverá divórcio. Com o externo o divórcio acontece continuamente. Uma hora vocês estão juntos e em seguida vocês têm de se separar.

34. Quando o círculo se mantém constantemente dentro de você, chegou-se ao estado de Ardhanarishwar - e é isto que Jesus quer dizer:

35. “Quando macho e fêmea se tornarem um só, de tal forma que o macho não seja mais macho e a fêmea não seja mais fêmea, então entrareis no Reino.” Já terá entrado, na verdade: você se tornou perfeito, não está dividido, tornou-se indivisível. Agora você tem uma Identidade: agora você tem liberdade e independência, agora nada te falta, te completas em ti mesmo.

36. A não ser que este círculo se complete você sentirá falta de algo e dependerá de outros para se sentir satisfeito.

37. Por isso o sexo se assemelha à amarras – ele é uma amarra! Se parece com uma dependência e sempre que há dependência você se ressente dela. Por isso é que existe contínuo atrito com o amante: você sente ressentimento, você não pode se afastar do outro porque você é dependente.

38. E ninguém quer depender de outra pessoa, porque todas as dependências são limitações: o outro tenta dominar, o outro tenta possuir – e se você for dependente, você tem de garantir ao outro certa dominação porque você tem medo. Trata-se de um acordo mútuo: “Eu serei dependente de ti e tu serás dependente de mim, então ambos possuíram um ao outro de certa forma, e podemos ambos nos dominar um ao outro em determinadas condições.”

39. Mas ninguém gosta de dominação e possessividade. Por isso o amor é tão infeliz. E se você ama uma pessoa e também se ressente dela, como você pode ser feliz? Até a mais bela das criaturas se torna feia.

40. Mulla Nasrudim estava sentado com um amigo. A esposa dele se aproximou e o amigo disse; “Por certo esta é a mais charmosa de tuas esposas.” E Nasrudim baixou a cabeça triste e respondeu: “É minha única esposa!”.

41. Esta melancolia está sempre presente entre amantes, porque não há mulher que possa completar um homem. Mesmo que você consiga todas as mulheres do mundo, não será suficiente porque o interior é maior que o “tudo”. Nem todos os homens do mundo poderão completar uma mulher – Não! É impossível! Sempre haverá algo faltando, pois nenhum homem poderá ser exatamente como o homem interior E também há o problema do tempo: porque o encontro ocorre por apenas um momento e em seguida vem a separação.

42. A não ser que você atinja a unicidade interior, você passará de uma tristeza para outra; de uma mulher para outra, de um homem para outro, de uma vida miserável, para outra vida miserável. A mudança pode te trazer esperança – mas é algo desesperador, toda relação é desesperadora.

43. Quando o círculo se forma, você volta à unicidade, inocente como uma criança; mais que uma criança, mais que qualquer criança jamais poderá ser – você se tornou um sábio.

44. Medite sobre estas palavras de Jesus e tente o que eu ensinei, mas se você quer tentar, deixe-me saber. Se você começar a tentar formar o círculo interior, então sempre me diga o que está acontecendo. Porque se algo der errado e as duas energias se encontrarem de forma errada, você enlouquecerá.

45. Este é o risco em se tornar um sábio: se você tropeçar, sua queda será até o mais profundo fundo, você ficará louco. Se você conseguir, você atinge o ponto mais alto, você se torna um sábio. É sempre assim quando alguém quer trilhar os caminhos mais altos, ele deve ter coragem, porque se ele tropeçar, sua queda será profunda. Próximo às alturas sempre existe um abismo.

46. Então se lembre de que é preciso um esforço muito equilibrado, e muitas outras coisas. Se você quiser trabalhar nisso, eu te direi como, mas terá de ser pessoalmente. Por isso Jesus fala do objetivo, mas nunca do método. O método deve ser ensinado pessoalmente, como uma iniciação.
[1] É bom lembrar que o autor deste discurso já partiu para o mundo espiritual, então, aos mais empolgados recomenda-se seriamente que busquem auxílio antes de empreender qualquer tentativa de criar o CIRCULO INTERIOR. Boa sorte.

[EN1]MACHO X FÊMEA – A DUALIDADE PRIMORDIAL.

[EN2]O CÍRCULO INTERIOR - EM BUSCA DA UNICIDADE.

O MECANISMO DA MENTE - O PRISMA

1. Passemos então ao sutra[1]:

2. (22) Jesus viu crianças sendo amamentadas. Ele disse a seus discípulos: "Esses pequeninos que mamam são como aqueles que entram no Reino."
3. Eles lhe disseram: Nós também, como crianças, entraremos no Reino?"[EN1]

4. Eis como os discípulos sempre falham: entendem tudo literalmente, se apegam demais às palavras – e a mensagem não está nas palavras. Se apegam demais aos símbolos, fazem dos símbolos algo muito concreto, sendo que quando um Jesus fala, faz uso de símbolos que não são concretos, mas sim líquidos. Eles mostram algo, eles nada dizem. São como setas indicativas, dedos apontando para a lua, sem dizer nada.

5. Basta Jesus dizer: “Estas crianças ... são como aqueles que entram no Reino”, e imediatamente pensamos que se nos fizermos como as crianças, seremos capazes, teremos a habilidade, poderemos entrar no Reino de Deus.

6. E os discípulos disseram: “Nós também, como crianças, entraremos no Reino?".

7. E Jesus disse. “Não! Apenas ser criança não vai adiantar.”

8. Jesus lhes disse: "Quando fizerdes do dois um e quando fizerdes o interior como o exterior, o exterior como o interior, o acima como o embaixo e quando fizerdes do macho e da fêmea uma só coisa, de forma que o macho não seja mais macho nem a fêmea seja mais fêmea, (...), então, entrareis (no Reino).”[EN2]

9. É disso que ele fala quando diz “ser criança de novo”. Tente entender cada uma das sentenças:

10. “Quando fizerdes do dois um...”

11. Este é o problema básico. Já percebeu que se passarmos um raio de luz por um prisma, imediatamente este raio vira sete raios? Então surgem todas as cores do arco-íris. É assim que nasce um arco-íris: Num dia chuvoso, sempre que o ar se satura de vapor e gotículas de água, estas partículas de água pairando no ar comportam-se exatamente como prismas. Um raio de sol passa por eles e é imediatamente divido em sete – é assim que surge o arco-íris. Quando o tempo está chuvoso e o sol surge por trás da nuvens, lá estará o arco-íris. A luz do sol é branca, puro branco, ao passar pelo prisma se torna sete, a brancura é perdida, surgem sete cores.

12. A tua mente funciona como um prisma; o mundo é uno, a existência é branco puro e ao passar por tua mente se torna uma multiplicidade. Qualquer coisa vista através de tua mente se torna uma multiplicidade. Se você estiver bem atento perceberá sete “coisas” em cada conceito mental. A mente divide como divide o prisma – em sete. Por isso dividimos a semana em sete. Mahavir[2], por causa desta característica da mente dividiu toda a sua lógica em sete passos. Que são chamados “Sete aspectos da lógica”, e se você fizesse uma pergunta a Mahavir ele lhe daria sete respostas.

13. Você fez uma pergunta – ele de pronto te daria sete respostas. Isto gerava muita confusão, porque se você fez uma pergunta e recebe sete respostas, sairia mais confuso que quando chegou. E por causa desse “sete” Mahavir não pôde ser compreendido; era impossível compreendê-lo. Mas ele estava absolutamente correto, porque o que ele dizia era: “Você pergunta através da mente, então eu devo responder através da mente – e a mente divide tudo em sete.” E estes sete contradizem um ao outro, tem de contradizer porque a verdade só pode ser una, a verdade não pode ser séptupla.

14. Quando você diz sete coisas [sobre o mesmo assunto] obrigatoriamente criará contradições. Você perguntaria a Mahavir se Deus existe, e ele responderia: “Sim, Deus existe!”, em seguida diria: “Não, Deus não existe.”, e depois diria: “Sim e não, as duas coisas – Deus existe e não existe.”, e então ele diria: “Nem uma coisa nem outra...” e prosseguiria até chegar a sete respostas.

15. A mente divide igual a um prisma. Sempre que você usa a mente para ver, tudo se torna séptuplo. Se você olhar atentamente, será séptuplo, se não olhar atentamente, será duo. Se a pergunta for feita a um homem comum, ele dirá: “Existem apenas duas respostas possíveis, ou Deus existe, ou Deus não existe – apenas duas possibilidades.” Mas ele deixa de perceber cinco respostas, porque não está suficientemente alerta. Se fosse o contrário seriam sete possibilidades e não duas. Então dois é o começo da multiplicidade, e sete é o final.

16. Jesus disse: “Quando fizerdes do dois um...”[EN3]

17. Ele falava para pessoas muito comuns, enquanto Mahavir falava aos maiores especialistas e lógicos. Esta a diferença existente entre as platéias: Jesus fala para pessoas muito pobres, pessoas comuns – a multidão; mas Mahavir falava para uns poucos selecionados. Este podia falar sobre “o sete”, Jesus falava sobre “o dois” – mas ambos querem dizer a mesma coisa.

18. Jesus diz: “Quando fizerdes do dois um, quando o dois desaparecer e restar o um, terás alcançado.” Mahavir diz: “Quando fizerdes do sete um, quando o sete desaparecer e restar o um, terás alcançado.” A diferença está na platéia, mas ambos dizem a mesma coisa.

19. Como fazer “o dois” desaparecer? O que deves fazer? Não há nada a fazer usando a mente, pois se a mente está presente “o dois” permanecerá. Como fazer o arco-íris desaparecer? Você retira o prisma e não há mais arco-íris, é só retirar as gotículas pairando no ar e o arco-íris sai junto. Não olhe usando a mente e o mundo do múltiplo desaparece; olhe usando a mente e lá está ele.

20. Não olhe usando a mente, ponha-a de lado e veja! As crianças olham para o mundo sem usar a mente, porque é necessário um tempo para desenvolvê-la. O corpo vem primeiro, e aí mais tarde vem a mente – na verdade o processo leva muitos anos. Assim que nasce, no primeiro dia, a criança olha para o mundo e ele é Uno, ela não pode fazer qualquer distinção. Como poderia? Ela não pode dizer que “isto é verde e aquilo é vermelho”. Ela não conhece nem verde e nem vermelho, ela apenas vê – o mundo é Uno para ela. É tão “Uno” que a criança nem mesmo distingue entre seu corpo e o de sua mãe.

21. Jean Piaget fez um extenso trabalho sobre o desenvolvimento da mente da criança. Ele trabalhou nisso durante toda a sua vida, e conseguiu revelar muitas verdades: a criança não consegue fazer distinções entre seu corpo e as coisas. Por isso ela tentará comer seu próprio dedão do pé, porque ela não consegue fazer qualquer distinção. Ele não consegue entender que aquele é o seu próprio dedão e que é inútil sugá-lo, ela o agarra assim como agarrará qualquer outra coisa – não existem distinções. Ele defecará e comerá suas próprias fezes – nem bom, nem mal. Nós diremos: “Que nojento!”, mas para ela não há distinção, o que mais poderia fazer?

22. Por causa disso, por muitos séculos, têm existido na Índia pessoas tentando imitar a criança. Assim comerão no mesmo lugar em que defecam, e os tolos os denominarão Paramahansa, aqueles que atingiram o objetivo[3]. Tudo o que fazem é imitar crianças, as crianças não fazem distinção – mas estas pessoas fazem! De outra forma qual seria a necessidade de se fazer isso? Buddha não faria isso, Jesus também não, Krishna também não, mas estes autodenominados Paramahansas – você pode encontrá-los, estão por aí, em todo o país – estes se forçam a não fazer distinções.

23. Mas quer você faça distinções ou se obrigue a não fazê-las, a mente ainda é o foco: a distinção está lá, mas você a está reprimindo. Você está agindo de modo infantil, mas não é inocente.

24. “Quando fizerdes do dois um”, quando o dois tornar-se um – exatamente como nas crianças. Quando uma criança nasce, ela abre seus olhos – ele vê, mas não pode pensar; a visão vem primeiro, o pensamento vem depois. Levará tempo, as vezes anos, antes que a criança se torne hábil em fazer distinções. Uma criança irá tomar o brinquedo da mão de outra imediatamente, e você dirá: “Não pode! Isto é errado, o brinquedo não é seu!” Você está fazendo uma distinção de propriedade, porque você acredita em propriedade individual. Você pensa: “Isto é meu e aquilo não é meu.” Mas para uma criança não existem distinções – um brinquedo é só um brinquedo. Ela não consegue pensar que aquilo não lhe pertence. “Se minha mão pode pegar, é meu!”. “Meu” e “Teu” ainda não estão claramente definidos.

25. Uma criança não consegue distinguir entre sonho e realidade. Por isso, pela manhã ela pode chorar e gritar porque ela tinha um belo brinquedo no sonho: “Onde ele foi parar?” Ela quer o brinquedo de volta imediatamente. Não consegue distinguir entre sonho e realidade, não conseguem fazer qualquer distinção. Sua inocência existe porque ela ainda não consegue fazer distinções.

26. E a inocência de um sábio surge quando ele pára de fazer as distinções. Não que ele não saiba que verde é verde e vermelho é vermelho, não que ele não consiga distinguir que isto é um pão e aquilo uma pedra – mas ele abandonou a mente.Agora ele vive através da visão e não do pensamento. Por isso os Hindus chamam a sua filosofia de darshanas. Darshan significa ver, não pensar; e Filosofia não é uma tradução exata, porque filosofia implica em pensar, o que é o exato oposto.

27. Darshan significa ver e Filosofia significa pensar – são exatamente o oposto um do outro, não podem ser reunidos de nenhuma forma. Darshan significa ver como uma criança vê, quando as distinções são deixadas de lado. “Quando fizerdes do dois um, e o interior igual ao exterior...” Porque esse “interior” e “exterior” são também distinções.

28. Até eu sou obrigado a dizer: “Deixe o exterior, vá para o interior, volte-se para dentro, abandone o que está fora.” Mas você pode não entender tudo o que estou dizendo, porque quando se abandona o exterior, o interior também é abandonado automaticamente. Quando não houver mais exterior, como poderia haver interior? Estes são termos relativos: o interior existe apenas como oposição ao exterior; quando deixa de existir exterior, também não há interior. Primeiro se abandona o exterior, e aí o interior cai automaticamente por si só; então não há nem dentro nem fora – você se tornou uno. Se ainda existe dentro e fora é porque você ainda é duo, não é uno ainda, ainda está dividido.

29. Por causa disso os monges Zen defendem uma das mais estranhas afirmações já feitas: eles dizem que o mundo é Deus; que a vida normal é religião; dizem que tudo, do jeito que está, está correto. Nada deve ser mudado, o próprio conceito de mudança implica no dual: o que é tem de ser transformado em algo que deve ser. A deve ser transformado em B, surge o dual. Os monges Zen dizem que o próprio mundo é Divino; Deus não está em outro lugar qualquer, porque este outro lugar cria uma dualidade. Deus não é o criador e você não é a criatura. – VOCÊ é Deus. Deus não é o criador – a criação é em si Divina, a própria criatividade é Deus.

30. A mente sempre tenta distinguir, pois é a sua especialidade. Quanto mais distinções você for capaz de fazer, maior o grau de “esperteza” de sua mente. E a mente sempre afirmará que os místicos são bem tolinhos, pois não fazem claras demarcações. Por isso chamam religião de misticismo, e não usam o misticismo como um termo elogioso. Estão falando sobre algo vago, como a névoa[4], algo nublado, algo que não é pura realidade, e sim algo como um sonho.

31. Para estes lógicos os místicos são tolos, já que não fazem distinções – e distinguir é tudo o que há para ser feito; você precisa saber o que é o que! E a lógica acredita que quanto mais distinções você for capaz de fazer, mas se aproxima da realidade. Por isso a ciência – que obedece à lógica, sendo a aplicação da própria lógica e nada mais – alcançou o átomo, fazendo contínuas distinções, separando todas as coisas, chegou até o átomo[5].

32. A religião, ao invés de separar juntando, renegando as divisões, sem criar limitações, atingiu o Insuperável, o Uno. A ciência chegou até o átomo, que equivale ao múltiplo, ao infinitamente múltiplo; e a religião atingiu o Uno, o infinitamente Uno. Estas são as abordagens: a ciência usa a mente e a mente cria limitações, divisões precisas; a religião não usa a mente e por isso todas as limitações desaparecem, todas as coisas fazem parte de tudo o mais que existe, as coisas se misturam. As árvores se misturam com o céu, o céu toca as árvores; a terra toca o paraíso, o paraíso tem contato com a terra.

33. Se você observar atentamente a vida, verá que estes místicos estão certos. Todas as divisões são criações humanas, não existem divisões na realidade. As distinções são úteis, utilitárias, porém não são verdade, elas ajudam sob um ponto de vista, mas são empecilhos também, sob outro ponto de vista.

34. Tente perceber as distinções: durante a semana passada você esteve infeliz – você consegue demarcar exatamente o momento em que ficou infeliz? Você consegue definir? Consegue dizer: “exatamente neste dia às nove e trinta da manhã, fiquei infeliz”? Não, você não consegue definir! Se você tentar, logo perceberá que tudo é vago, você não consegue dizer quando começou sua tristeza. E então você fica feliz – repare quando você ficou feliz novamente. Provavelmente não terá reparado, pois não pensava nisso naquela época, mas agora você está triste e em algum momento voltará a sentir-se feliz de novo, já que a mente não consegue permanecer em um estado apenas para sempre. Você não pode evitar. Mesmo que você queira estar permanentemente triste, não poderá. Já que é assim, preste atenção: em que exato momento você ficou feliz de novo? Você ficará feliz e não será capaz de perceber o momento porque ele será um momento indefinível.

35. O que isto prova? Prova que felicidade e tristeza não são duas coisas independentes. Por isso você não pode fazer a distinção: elas se dissolvem uma na outra, misturam-se uma a outra, seus limites se combinam uma na outra. De fato, sequer existem limitações entre elas, são como uma onda, são como a montanha e o vale: após a montanha estará o vale, após cada onda o mar se retrai. Onde começa a montanha, e onde termina o vale? Em lugar nenhum. Ambos são Um!

36. É sua mente que diz: “este é o vale e esta é a montanha.” Pode haver uma montanha sem vale? Pode haver um vale sem montanha? Pode haver alegria sem tristeza? Se é isto que você busca, está buscando pelo impossível. Pode haver alegria sem tristeza? Se você está tentando fazer isso, está tentando algo impossível. Desista! Porque esse tipo de tristeza e alegria são conceitos poéticos. Saúde e Doença são conceitos fisiológicos. Perceba! Quando exatamente você ficou doente? Onde fixar a divisa? E quando foi que você ficou saudável? Ninguém consegue fixar uma demarcação, a doença se transforma em saúde, a saúde em doença, amor se torna ódio, ódio torna-se amor; raiva se torna compaixão, compaixão se torna raiva – é uma idéia desconfortável, mas os místicos têm toda a razão.

37. Você era uma criança - quando foi que se tornou um jovem? Quando a juventude “tomou posse” de você? Você é jovem, e algum dia ficará velho. Observe e marque no calendário a seguinte frase: “neste dia eu fiquei velho”. E se você não conseguir distinguir quando você ficou velho, conseguirá distinguir entre quando está vivo e quando tornou-se um morto? Até os cientistas sentem grande dificuldade para definir quando declarar um homem morto. Tudo o que se sabe até agora é apenas útil, mas não a verdade.

38. Quando devemos declarar a morte de um homem? Quando ele parou de respirar? Mas existem yogis que já demonstraram em laboratórios que podem permanecer por até 10 minutos em apnéia. Por isso, parar de respirar não pode ser o critério para “provar” a morte de alguém. Talvez ele jamais volte a respirar, mas este não pode ser o critério já que algumas pessoas provaram poder ficar sem respirar por até dez minutos. Esta pessoa pode ser um yogi. Ela pode não querer voltar a si, mas você não tem o direito de declará-la morta. Ainda assim precisamos saber quando ocorre a morte, pois os mortos precisam ser descartados.

39. Quando um homem realmente está morto? Quando seu coração para de bater? Ou quando suas atividades cerebrais cessam? Atualmente existem cérebros funcionando sem corpo em laboratórios. Quem poderia dizer o que eles pensam? Quem sabe estão sonhando? Talvez nem saibam que não tem corpos. E os cientistas que estudam estes cérebros-sem-corpo dizem que eles ainda mantém o mesmo ritmo de quando os tinham: eles dormem, eles acordam, têm insônia; mostram sinais de que estão sonhando, e mostram sinais de que não estão sonhando; mostram sinais de que estão pensando, e algumas vezes mostram sinais de raiva, agitação, tensão e ocasionalmente, relaxamento. E o que será que estes cérebros pensam? Eles podem até não ter consciência de que não possuem mais corpo, mas é possível dizer que eles estão mortos? Estão funcionando perfeitamente. Que parte do corpo parar de funcionar poderia ser o critério? Que momento poderia ser o critério?

40. Durante a Segunda Guerra Mundial, fizeram uma experiência na Rússia, e pelos menos seis pessoas que foram declaradas mortas por ataques súbitos de coração ainda estão vivas. Elas foram declaradas mortas, mas bombearam sangue nelas, e elas foram revividas, e seis delas ainda vivem. O que houve? Eles foram ressuscitados!

41. Existe realmente um limite em que a vida termina e a morte se inicia? Não! É um fenômeno igual ao de uma onda. A vida está ligada à morte, da mesma forma que a onda se liga à retração do mar que a segue. Não são coisas separadas, são uma única coisa, são o ritmo do que é Uno.

42. Os místicos dizem que por questões práticas é aceitável que você separe, mas a realidade é indivisível. O que fazer para conhecer esta realidade indivisível? Basta que você se livre do mecanismo divisor – é isso que faz a meditação. Ponha de lado a mente e olhe. OLHE sem usar a mente! FIQUE ATENTO sem usar a mente! VEJA! E não permita que os pensamentos sejam como uma tela entre você e o universo. Quando as nuvens, os pensamentos, não estão presentes, e o sol brilha em plena consciência, o mundo é uno.
[1] Sutra = Escritura (sagrada).
[2] Expoente do jainismo, talvez seu principal doutrinador, na índia, tendo entre principais características a recusa consumo de qualquer tipo de carne e a não-violência.
[3] De descobrir a verdade última, de compreender, e no caso hindu, até mesmo ser, Deus. (NT).
[4] mist em inglês, que ele entende, neste caso como raiz da palavra, misticism, misticismo em inglês... Do ponto de vista da idéia, é bastante provável que ele esteja certo, mas etimologicamente esta afirmativa é incorreta.
[5] Atualmente, sabe-se que a ciência quântica conseguiu ainda maior logro em dividir e diferenciar relatando a existência de partículas formadoras dos átomos e inclusive partículas que sequer têm massa, tão infinitamente pequenas que são.

[EN1]A BUSCA DA INOCÊNCIA.

[EN2]COMO COMPREENDEMOS A REALIDADE – O PRISMA

[EN3]TÉCNICAS PARA DEIXAR DE USAR O PRISMA – CONFRONTAÇÃO ENTRE DARSHANAS E FILOSOFIA - CIÊNCIA X RELIGIÃO – A UNICIDADE DA REALIDADE