domingo, 12 de outubro de 2008

Feliz daquele que sofreu.

03 de setembro de 1974 – Índia.

3º discurso – II vol. – A Semente de Mostarda (Baseado no Evangelho Apócrifo creditado a São Tomé)

(58) Jesus disse: "Bem-aventurado o homem que sofreu e encontrou a vida."
(59) Jesus disse: "Prestai atenção àquele que vive enquanto estais vivos, para que, ao morrerdes, não fiqueis procurando vê-lo sem conseguir."(133) (60) [Eles viram] um samaritano carregando um cordeiro a caminho da Judéia. Ele disse a seus discípulos: "Por que o homem está carregando o cordeiro?"
Eles disseram-lhe: "Para matá-lo e comê-lo."
Ele disse-lhes: "Enquanto o cordeiro estiver vivo, ele não o comerá, mas somente depois que o tiver matado e que o cordeiro se tornar um cadáver."
Eles disseram-lhe: "Ele não poderia fazer de outro modo."
Ele disse-lhes: "Vós, também, buscai um lugar para vós no repouso, a fim de que não vos torneis um cadáver e sejais devorados."


Desde os mais antigos dias, o homem tem perguntado diversas vezes porque existe sofrimento na vida. Se Deus é pai, então porque existe tanto sofrimento? Se Deus é amor e Deus é compaixão, então porque existe o sofrer? E não tem havido uma resposta satisfatória e este questionamento. Mas se você entender Jesus, entenderá a resposta. O homem sofre porque não há outra forma de amadurecer, de crescer. O homem sofre porque apenas através do sofrimento ele se torna mais consciente. E esta consciência é a chave.
Observe sua própria vida: sempre que você está confortável, calmo, feliz, a consciência é perdida. Nesta condição você passa a viver como se dormisse, vive como um hipnotizado, vive como um sonâmbulo; se move e faz as coisas – mas como faria um sonâmbulo. Eis porque a religião desaparece de tua vida sempre que não há sofrimento. Quando não sofre você nunca vai ao templo, ir não tem sentido para você, não há orações para Deus, e porque haveria? Parece não haver qualquer razão para fazer isso.
Mas quando ocorre algum sofrimento você corre para o templo, seus olhos se voltam para Deus, seu coração se dedica à oração. Há algo no sofrimento que te torna mais cônscio de quem você é, porque você é e onde está indo. Num momento de sofrimento a consciência é intensa.
Nada pode ser sem sentido neste mundo. O mundo é um cosmos e não um caos. Você pode não ser capaz de entender – este é outro problema – porque você conhece apenas os fragmentos, e não o TODO. Sua experiência de vida é como se você tivesse apenas uma folha solta da novela: você a lê mas ela não faz sentido porque se trata apenas de um fragmento, você não conhece a história toda. Uma vez que você conheça a história toda, aquela página se torna compreensível, coerente, cheia de significado.
O que é significado? Significado é conhecer o fragmento em relação ao TODO. Um louco falando pelas ruas não faz o menor sentido. Porquê? Porque você não consegue relacionar o discurso dele com qualquer outra coisa, seu discurso é um fragmento. Mas ele não está tentando falar com ninguém, não existe esta intenção, ele está falando sozinho. Seu discurso é fragmentário, não faz parte de um TODO maior, por isso é incoerente. As mesmas palavras podem ser usadas por um outro homem – exatamente as mesmas – mas ele se dirige a alguém, nesse caso as palavras fazem sentido. Porquê? As palavras são as mesmas, são as mesmas sentenças, são os mesmos gestos, e um dos homens você chama de louco e o outro não. Porquê? Porque há alguém para ouvir; o fragmento não é fragmentário, ele se tornou uma parte de um TODO maior – tem um sentido.
Corte um pedaço de uma pintura de Picasso: este pedaço não fará sentido, é só um fragmento e um fragmento é morto. Bote-o de volta na pintura e repentinamente o sentido aparece. O pedaço se torna coerente porque agora faz parte de um TODO. Só quando você é parte de um TODO é que faz sentido. E se o homem moderno parece se sentir cada vez mais sem sentido é porque ele tem negado a Deus – ou esquecido.
Sem Deus o homem nunca pode ter sentido, porque Deus é o TODO e o homem é apenas um fragmento. Você é apenas uma linha na poesia – sozinho você não passa de um balbucio. Com o poema completo, surge o significado porque o significado reside na relação com o TODO. E lembre-se disso.
Isto me recorda um sonho de Bertrand Russell. Ele era um ateu, nunca acreditou em Deus, nunca pôde ver qualquer sentido mais vasto que pudesse ser o TODO. Ele relata um sonho: uma noite em seu sono, ouviu alguém bater à porta. Então ele, ainda sonhando, foi abrir a porta, e viu um Deus velho parado ali. Ele não podia acreditar em seus olhos porque nunca foi capaz de acreditar em Deus – mesmo sonhando ele se lembrou disso, “Eu não acredito em Deus”. Mas o homem velho pareceu tão esquecido de todos, abandonado por todos, suas roupas eram farrapos e a sujeira manchava sua face e seu corpo.Ele pareceu tão antiquado – quase como uma foto desbotada em que não se pode ver bem o que acontecia – Russell sentiu muita pena Dele. Só para encorajá-lo ele disse, “Entre!”, deu tapinhas nas Suas costas como um amigo e disse, “Anime-se!”. Então de repente ele acordou e o sonho havia sumido.
Esta é a situação do homem moderno, da mente moderna: Deus é antiquado. Você não é sequer contra Ele, ou, no máximo, você tem pena Dele. Através da piedade você pode tentar consolá-Lo, mas Ele não guarda mais um sentido para você – é uma pintura velha, desbotada, inútil, lixo do passado. Ou Ele está morto ou está mortalmente doente, no seu leito de morte. Mas se o TODO está morto, como pode o fragmento ter algum sentido? Se o TODO é antiquado, como pode o fragmento ser novo, fresco e jovem? Se toda a árvore está morta, então qualquer folha da árvore que pense estar viva é simplesmente estúpida. Pode até demorar um pouco mais para que a tal folha morra, mas se a árvore está morta, a folha tem que morrer – já está morrendo.
Se Deus morreu, o homem não pode viver. E o homem está mortalmente doente, porque sem o TODO o fragmento não tem sentido. Mas sempre que você está feliz – momentos de felicidade, não a felicidade de fato – sempre que você está confortável, calmo, quando nada te perturba, aí você imagina que é o TODO. E isso é uma falácia. Quando você começa a sofrer, repentinamente toma consciência de que você não é o TODO. Quando sofre descobre que não é como deveria ser, algo está errado, o sapato está apertando. Alguma coisa está errada e alguma transformação é necessária. Eis o valor do sofrimento.
O sofrimento te dá consciência: te faz sentir que algo deve mudar, você deve se renovar, deve renascer. Como tu és, estais sofrendo, então algo deve ser feito.

“Jesus disse: Bem-aventurado o homem que sofreu, ele encontrou a Vida”;

Parece absurdo e paradoxal! Ele diz: “Bem-aventurado o homem que sofreu”... Sempre chamamos de bem-aventurado o homem que nunca sofreu. Mas você já viu alguém que nunca sofreu? Se algum dia você vir um homem assim, o encontrará completamente juvenil, infantil, sem qualquer maturidade, sem qualquer profundidade, sem qualquer consciência – ele será um idiota. E você jamais poderá dizer que um homem assim seja bem-aventurado.
Apenas alguém que nunca tentou viver, que tenha sempre evitado a vida pode permanecer livre de sofrimentos. É por isso que em famílias muito muito ricas, só nascem idiotas, porque eles são excessivamente protegidos. E quando você protege alguém demais, não se trata de uma proteção contra a morte, é uma proteção contra a vida. Mas esse é o problema: se você quer proteger alguém da morte, terá de protegê-lo contra a vida, porque a vida implica na morte. Por isso não viva se você tem medo da morte – isso é lógica pura – não esteja vivo se você tem medo de morrer, corte todas as dimensões em que a vida ocorre. Então você pode simplesmente vegetar.
Jesus não pode chamar uma vida vegetativa de abençoada, ninguém pode dizer isso. Tal situção é o maior de todos os infortúnios que podem ocorrer ao homem, porque ele nunca crescerá em consciência e maturidade, ele não atingirá graus mais elevados de consciência também, porque estes graus mais altos só passam a existir quando são desafiados. O sofrimento é um desafio: quando você sofre é desafiado, quando existe um problema você é desafiado. Quando você enfrenta o problema, só então você cresce. Mais insegurança, mais crescimento, mais segurança, menos crescimento. Se tudo está seguro ao teu redor, você já está no seu túmulo, já não vive mais. A vida existe enquanto há perigo, a vida sempre existe na possibilidade de se perder. Mas alguém que se perde pode retornar, alguém que falha pode ter sucesso depois.
Napoleão foi derrotado. Ele escreveu em seu diário uma bela frase – algumas vezes homens loucos também fazem belas observações – ele disse, “Apenas uma luta foi perdida, apenas uma batalha foi perdida – não a guerra”. Mas se você quer vencer a guerra, terá que perder muitas batalhas. Se você teme perder uma batalha que seja, você nunca guerreará, será impossível vencer.
Quando quer que você falhe em alguma coisa, esta não será a falha fatal, você pode transcendê-la[1]. Na próxima vez não será necessário repetir o erro, da próxima vez não será necessário cometer o mesmo erro e o mesmo engano, da próxima vez não será necessário sofrer. Um homem sábio sofre tanto quanto um que não o seja, mas de maneiras diferentes a cada vez. Um homem sábio comete tantos enganos quanto – e mesmo mais enganos que um estúpido - mas o sábio jamais comete o mesmo engano duas vezes. Esta é a única diferença: a quantidade pode ser maior, mas a qualidade é diferente. Um idiota pode até não cometer muitos erros, pode até não errar de jeito algum, porque ele nunca se propõe a fazer nada. Você só comete enganos quando faz alguma coisa.
Você pode se extraviar se persegue e busca. Se você só anda na linha, se fica simplesmente sentado em casa, como pode se desviar? Se não faz nada, você nunca cometerá um erro, você será uma pessoa infalível, mas nunca se moverá, pouco a pouco você simplesmente apodrecerá, vegetará e morrerá. Nunca tenha medo de se enganar, apenas se lembre de que não há necessidade de cometer o mesmo erro duas vezes. Porque você comete o mesmo erro duas vezes? Porque da primeira vez que você o cometeu, não aprendeu nada com ele. É por isso que você tem cometido os mesmos erros de novo e de novo e de novo. E as pessoas vão cometendo os mesmos erros, repetindo-os por toda a sua vida; elas vivem num círculo. Por isso os hindus têm chamado este mundo de sansar.
Sansar significa a roda: você apenas repete os mesmos erros de novo e de novo e de novo. As situações podem diferir, mas o erro continua o mesmo, a mesma qualidade de erro. O que isto demonstra? Demonstra que você não está alerta, de outra forma porque cometer o mesmo erro de novo? Cometa outro erro, pois assim você aprende. Ninguém aprende sem cometer enganos. Quando você comete um engano, se obriga a sofrer. Ninguém aprende sem sofrimento. Os hindus dizem que você nasce diversas vezes porque ainda não cresceu.
Apenas uma pessoa “crescida” vai além deste mundo. Os que ainda não cresceram tem que cair de novo no buraco, tem que aprender. E cada aprendizagem é um longo caminho, não há atalhos. Este caminho longo é o sofrimento. Não se proteja contra o sofrimento, antes ao contrário, faça-se sofrer, tão completamente consciente quanto possível. Aceite o desafio, enfrente o sofrimento. Você crescerá através dele. Tente ultrapassá-lo, vá além dele. Não tenha medo, se você tiver medo já estará morrendo. Por isso Jesus diz: “Bem-aventurado o homem que sofreu, ele encontrou a Vida”. E quem sofre se torna mais alerta e esta vigilância é a chave para o templo da vida. Quanto mais alerta você estiver, mais consciência.
Qual é a diferença entre você e as árvores? As árvores são lindas, mas não são mais desenvolvidas[2] que você, porque ficam sempre inconscientes. Uma pedra, uma rocha é de nível ainda mais baixo que as árvores, mais inconsciente. Uma pedra também sofre, mas não tem consciência disso; uma árvore sofre, mas inconscientemente – e se você também sofrer de maneira inconsciente, qual será a diferença entre você e elas? Você será apenas uma árvore que se move.
No fundo, a coisa básica que faz de você um ser humano ainda não ocorreu. A consciência te torna humano. E esta é a beleza da coisa: que quando você se torna consciente o sofrimento desaparece. O sofrimento produz a consciência, mas se você se torna mais e mais consciente, o sofrimento desaparece. Esta lei deve ser entendida: se sua cabeça dói, isto gera consciência, você se torna ciente de sua cabeça; de outro modo ninguém se importa com sua própria cabeça. Você se torna ciente da existência do corpo apenas quando algo dá errado.
Em Sânscrito, eles têm uma bela palavra para sofrimento. O chamam de vedana, e vedana tem dois significados: um deles é sofrimento; o outro é conhecimento. Vedana vem da mesma raiz que veda. Veda significa a fonte do conhecimento. Os que cunharam esta palavra vedana perceberam um fato, que sofrimento é conhecimento. Por isso usaram a mesma raiz fonética para ambos.
Se você sofre, imediatamente se torna consciente. O estômago começa a existir apenas com uma dor de estômago. Antes ele pode ter estado lá mas não estava em sua consciência. Por isso a ciência médica, especialmente a Ayurveda, define a saúde como a ausência de corpo; se você não sente o corpo, está saudável; se você sente o corpo, algo está errado, pois esta sensibilidade existe apenas quando algo vai mal. Se você é um motorista, um barulhinho qualquer no motor e você se torna consciente, de outra forma é só aquele mesmo barulho, contínuo, monótono, então tudo bem. Um barulhinho em alguma parte do motor, ou em outra parte do carro e você toma consciência de que algo está errado. Só quando algo dá errado e que você toma consciência.
E se você se tornar realmente alerta, não se envolverá com o problema, mas ao contrário, sua consciência crescerá mais e mais. Então o segundo fenômeno ocorre: na sua consciência você vem a saber que a doença está lá, o desconforto está lá, o sofrimento está lá – mas que não estão em você, estão apenas ao seu redor, na circunferência. No centro existe apenas a consciência, o sofrimento está na circunferência, como se o sofrimento pertencesse a outro qualquer, você não se identifica com ele. Neste estado a dor de cabeça está lá, mas ela não é dolorosa para você, ela é dolorosa para o corpo e você está apenas consciente. O corpo se torna o objeto e você o sujeito – ocorre um rompimento.
Num estado de consciência todas as pontes são rompidas, a ruptura aparece imediatamente. Você percebe que o corpo sofre, mas a identificação foi destruída. O sofrimento gera a consciência, consciência destrói a identificação – e esta é a chave para a vida.
“Bem-aventurado o homem que sofreu, ele encontrou a Vida”.
Jesus na cruz é apenas um símbolo para o sofrimento final, o sofrimento absoluto, o apogeu do sofrimento. Quando Jesus estava na cruz, no último momento ele fraquejou um pouco. O sofrimento era demais. Não era um sofrimento comum, não era uma dor corporal comum, era angústia – não apenas física, mas uma profunda angústia psicológica, e a angústia era essa: que de repente ele passou a sentir, “Eu fui abandonado por Deus? Porque isto está acontecendo comigo? Não fiz nada de mal. Porque devo ser crucificado? Porque esta dor? Porque esta crucificação? Porque devo sofrer esta angústia?” E Ele perguntou a Deus “Porque?” Ele duvidou.
Este deve ter sido um momento de angústia muito profunda, quando todas as fundações são abaladas e mesmo a sua fé é abalada. A dor insuportável – a humilhação da coisa toda! As mesmas pessoas por quem ele vivera, por quem ele trabalhara, a quem ele servira, para quem ele tinha sido um curador – elas o assassinavam, e sem qualquer razão. Ele perguntou a Deus, “Porque? Porque isto esta acontecendo comigo?” Então, de repente Ele compreendeu o porque, pois naquele momento ele tinha ficado muito consciente; durante a crucificação ele atingiu a perfeita consciência.
Sempre digo que até este momento ele era Jesus, e depois deste momento ele se tornou Cristo. Naquele momento a transformação total ocorreu. Antes Ele esteve se aproximando, cada vez mais, e concluindo, concluindo e concluindo, mas o salto final aconteceu naquele momento: Jesus desapareceu e lá estava o Cristo – de repente ocorreu uma transmutação.
O que aconteceu? Ele disse, “Porque devo passar por este sofrimento? Tu me desamparaste? Fui abandonado?” E imediatamente após esta angústia Ele disse “Não! Seja feita a Tua vontade”. Ele aceitou. O Porque era uma rejeição, porque questionar significa duvidar. Ele compreendeu imediatamente e disse: “Eu aceito, e compreendo. Tua vontade deve ser cumprida, não a minha, porque minha vontade será falha”. Então Ele relaxou, houve um “que-assim-seja”, a rendição final. No momento da morte, ele aceitou inclusive a própria morte. Com esta aceitação ele se tornou Vida Eterna. A chave foi encontrada. Por isto Ele diz:
“Bem-aventurado o homem que sofreu, ele encontrou a Vida”.
Da próxima vez que você sofrer, não se queixe, não transforme isto em angústia. Antes, vigie o sofrimento, sinta-o, veja-o, observe-o sob todos os ângulos possíveis. Faça do sofrimento uma meditação e veja o que acontece: a energia que gerava a doença, a energia que criava o sofrimento, se transforma, sua qualidade muda. A mesma energia se transforma em consciência, pois não existem duas energias em você a energia é única. Podes transformá-la em sexo, podes ainda transformá-la em amor, podes transformá-la de maneira ainda mais elevada e fazê-la uma oração, ou, de maneira ainda mais elevada transformá-la em consciência – a energia é a mesma.
Quando você sofre, está dissipando energia, na tua angústia desperdiças energia, a energia está vazando. Quando ocorrer um sofrimento, fique atento. Feche seus olhos e examine atentamente o sofrimento. Seja de que tipo for – mental, físico, existencial – seja qual for o tipo, examine-o, medite sobre ele. Examine-o como se fora um objeto.
Quando você encara o seu sofrimento como um objeto, você se distingue dele, não mais se identifica com ele, a ponte é quebrada.E então, a energia que seria usada para criar o sofrimento não o fará, porque a ponte não mais existe. A ponte é a identificação: Você imagina que é o corpo, então a energia vai em direção ao corpo. Seja lá com que você se identifique, sua energia se voltará para lá.
Talvez você não tenha percebido isto ainda, mas pode tentar um experimento simples: se você ama uma mulher, apenas sente-se ao seu lado e sinta-se conectado[3], como se você fosse a mulher, a amada; e permita que a mulher se sinta como se fosse você, o amante. Apenas espere se sentindo conectado. De repente ambos sentirão um choque de energia. Ambos sentirão que alguma energia se deslocou do outro para você. Amantes têm relatado que é como se uma energia pulasse como um raio e atingisse o outro. Sempre que você se identifica com algo surge uma ponte, e a energia pode se locomover através desta ponte.
Quando uma mãe amamenta o seu filho, ela não está apenas dando leite, como sempre se pensou. Agora os biólogos têm se surpreendido com um fato mais profundo, e dizem que a mãe também provê energia – o leite é apenas a parte física. Eles têm feito muitos experimentos: criam os bebês, dão comida – tão perfeitamente quanto possível, tudo o que é conhecido pela ciência médica. Tudo isso é fornecido, mas a criança não é amada, nem acariciada, a mãe não o toca. O leite é dado através de mecanismos, injeções são dadas, vitaminas são dadas – tudo perfeito. Mas a criança pára de crescer, começa a encolher, como se a vida estivesse saindo dela. O que está acontecendo? Pois tudo o que uma mãe daria está sendo dado.
Algo Semelhante aconteceu durante a guerra, muitos bebês órfãos eram postos em um hospital. Em poucas semanas estavam quase mortos. Metade deles acabava morrendo, mas todos os cuidados estavam sendo prestados. Cientificamente o hospital estava absolutamente correto, fazendo tudo o que era necessário. Mas porque estas crianças morriam? Então um psicanalista observou que elas precisavam de carinho, alguém para abraçá-las, alguém que as fizesse sentir importantes. O alimento não alimenta o suficiente. Jesus diz, “Nem só de pão o homem viverá”. Um alimento íntimo, um alimento invisível se faz necessário. Então o psicanalista criou uma regra de que qualquer um que entrasse no quarto – uma enfermeira, um doutor, um servente – deveria gastar pelo menos cinco minutos brincando e abraçando as crianças. Repentinamente elas não mais morriam e começaram a crescer. A partir deste, muitos experimentos tem sido feitos.
Quando uma mãe abraça uma criança, a energia flui entre eles. Essa energia é invisível – a temos chamado de amor, aconchego. Algo salta da mãe para a criança, e não apenas da mãe para a criança, mas da criança para a mãe também. É por isso que uma mulher nunca é mais bela do que quando se torna mãe. Antes alguma coisa faltava, ela não estava completa, o círculo não se fechava. Sempre que uma mulher se torna mãe o círculo se completa. Uma graciosidade a atinge vindo de uma fonte desconhecida. Então, não é apenas a mãe que alimenta o bebê, o bebê também alimenta a mãe. Eles se felicitam um no outro.
E não há outro relacionamento que seja tão próximo. Mesmo amantes não são tão íntimos, porque a criança originou-se da mãe, de seu próprio sangue, sua carne e ossos; a criança é como uma extensão da existência da mãe. Uma tal cumplicidade não pode ocorrer de outra forma, pois ninguém pode ser tão íntimo. Um amante pode estar próximo do seu coração, mas o bebê viveu através de cada pulsar do seu coração. A batida do coração da mãe foi a batida do coração do bebê, por algum tempo o bebê não teve outro coração; o sangue da mãe circulou através do bebê, ele não era um ser individuado, era apenas uma parte de sua mãe. Por nove meses ele existiu como uma parte de sua mãe, organicamente unido, uno. A vida de mãe foi a sua vida a morte da mãe teria sido a morte dele. Mesmo depois disso: uma transferência de energia, uma comunicação energética ainda ocorre.
Quando ocorrer um sofrimento, mantenha-se consciente; assim a ponte é quebrada, e então não há transferência de energia para o sofrimento. E pouco a pouco o sofrimento encolhe, porque o sofrimento é o seu bebê. Você lhe deu a vida, você é a causa, e mais, você o alimenta, lhe dá de beber, por isso ele cresce e por isso você sofre mais. Então você reclama, se sente miserável, toda a sua atenção se identifica com o sofrimento.
Ouvi dizer que uma vez aconteceu o seguinte: Duas idosas se encontraram no mercado. Uma perguntou a outra como ela se sentia, porque essa senhora sempre se sentia doente. Há mulheres que sempre se sentem doentes. Há algo errado, mas não é a doença, é algo mais profundo, uma neurose, porque elas não conseguem se sentir bem se não estão doentes; a enfermidade se tornou parte do ego delas. Ela perguntou, “Como você se sente”?
A mulher que sempre estava doente ou falando sobre doenças começou. Ela disse: “Muito mal – nunca estive tão mal. A artrite está a toda. Eu tenho uma fortíssima dor de cabeça, e a dor de estômago é terrível, além disso, minhas pernas doem...” e foi em frente por um longo período.
A outra disse: “Então vá a um doutor, oras”.
A “doente” disse, “Sim, sim, só estou esperando me sentir um pouco melhor”.
É isso que tem acontecido: você irá ao médico quando se sentir um pouco melhor. Mas ninguém vai – quando se sentem um pouco melhor, acham que não há necessidade. Vá ao médico enquanto você está sofrendo, ore enquanto está sofrendo, medite enquanto está sofrendo. Não diga: “Meditarei quando me sentir um pouco melhor”. Isso não vai funcionar – você não meditará, e terá perdido um momento abençoado, um momento de sofrimento. Medite, fique alerta e cônscio. Não perca a oportunidade, ela te trará a bem-aventurança!
Use todo o sofrimento para meditar e logo você perceberá que o sofrimento desaparece, porque a energia passa a se direcionar para o interior. Não mais se dirigirá para a periferia, para o próprio sofrimento, você não está alimentando o seu sofrimento. Parece ilógico, mas esta é a conclusão a que chegam todos os místicos do mundo: que você nutre o seu sofrimento e se alegra com isso de uma forma bem sutil, você não quer se sentir bem.- deve haver alguma vantagem nisto.
Buda, Jesus, Zaratustra, têm falado em vão, você não os ouve. Eles dizem que existe a possibilidade da bem-aventurança final. Você os ouve e diz: “Tudo bem, um dia eu procuro isso aí, quando me sentir melhor”. Mas se você está feliz, qual a necessidade? É por isso que Buda continua a insistir: “A vida toda é sofrimento, dukkha – não espere! A vida que você leva não te trará felicidade. Acorde e perceba. É a própria angústia que você anda chamando de vida”. Muitos acham que Buda foi muito pessimista. Ele não era, só estava enfatizando. E você se tornou tão apegado ao seu sofrimento que já não percebe isso.
E como isso ocorre? Bem no começo, na mais tenra infância, uma coisa quase sempre dá errado, trata-se de que, quando uma criança fica doente, sempre recebe mais atenção. Isto cria uma falsa associação: a mãe ama a criança mais, o pai tem mais cuidado com ela; toda a família a põe bem no centro, ela se torna a pessoa mais importante. De outra forma, ninguém liga para a criança – se ela está bem, que ótimo, é como se ela nem existisse. Quando ela está doente, se torna uma ditadora, ela impõe seus termos. Finalmente o truque é aprendido, que quando você fica doente se torna de alguma forma especial; todos prestam atenção em você, porque se não prestarem atenção você os faz se sentirem culpados. E que ninguém pode te acusar de nada, porque ninguém vai poder te responsabilizar por sua doença.
Se a criança está fazendo algo errado você pode dizer, “Você é o culpado”. Mas se ele está doente você não pode dizer nada. Porque a enfermidade não está sob o controle da criança – o que ela pode fazer? Mas você não conhece todos os fatos: noventa por cento das enfermidades são autocriadas, geradas pelo próprio doente para atrair atenção, afeição, relevância. E uma criança aprende o truque rapidinho, porque o problema básico para uma criança é que ela se sinta desamparada. O problema básico que a criança sempre sente é que ela é impotente enquanto todos são poderosos.Mas quando ela adoece se torna poderosa e todos ficam impotentes. Isto é o que ela descobre.
Uma criança é muito sensível para descobrir coisas. Ela percebe que “Mesmo papai é menos importante, mamãe é menos importante – ninguém é mais importante que eu quando fico doente”. Então a enfermidade está oferecendo algo muito significante, e se torna uma estratégia para obter ganhos. Sempre que a criança se sinta negligenciada na vida, sempre que ela sinta que “Eu estou desamparada”, ficará doente, a criança criará a doença. E este é o problema, um problema grave: porque o que você pode fazer? Quando uma criança adoece todos são obrigados a lhe dar atenção.
Mas agora os psicólogos recomendam que quando a criança ficar doente, tomemos conta dela, mas não lhe prestemos atenções especiais. O tratamento deve ser médico e não psicológico. Não crie qualquer associação na mente da criança de que aquela doença é vantajosa, de outra forma por toda a vida da pessoa, sempre que ela sentir que algo está errado, ficará doente. Desse modo a sua esposa não poderá dizer nada, ninguém poderá culpá-lo, porque ele está dodói. E todos terão dó dele e lhe darão afeição.
Noventa por cento do sofrimento existe porque você associou algo que é bom para você com o sofrimento. Descarte essa associação! Ninguém mais pode fazer isso por você. Livre-se completamente da associação, destrua-a completamente! O sofrimento é apenas desperdício de energia. Não se deixe envolver por ele, não pense que compensa. Existe apenas uma forma do sofrimento compensar, e é a consciência. Torne-se consciente.
Lembre-se de como descartar a tal associação: primeiro, nunca comente o seu sofrimento. Sofra-o, mas não o comente. Porque você fala sobre suas dores? Porque as pessoas continuam a falar e perturbar os outros com os seus sofrimentos? Quem liga? Só para não te ofender, se você começa a falar de tuas doenças e angústias, as pessoas tem que te tolerar – mas começam a fugir, começam a desejar alguma forma de se afastar de você. Ninguém quer te ouvir, porque eles mesmos já estão cheios de sofrimentos seus. Quem liga para o teu sofrimento? Não comente suas dores, porque esta falação cria a associação.
Não se queixe, porque com isto você implora por afeição, dó, compaixão, amor. Não implore, não venda o seu sofrimento – pare de investir na dor. Sofra privativamente, não torne isto público – então a dor se torna uma tapascharya, um sacrifício[4], um dos melhores. Mas observe os seus santos[5]: se eles fazem tapascharya, sacrifícios, o fazem muito publicamente. E eu disse sofra discretamente, assim o sofrimento se torna tapa, sacrifício. Estes santos tornam seu sofrimento público, anunciam que passarão por um longo jejum – todos tem que saber.
Estes são crianças enlouquecidas, pessoas infantis. Eles investiram mais que você: dependem de seu sofrimento, seu prestígio depende de seu sofrimento – por quanto tempo podem jejuar, ou por quanto tempo podem atrair a atenção de todo o país ou de todo o mundo. São grandes enganadores, usando o sofrimento para explorar os outros. Mas isso é o que todos fazem, só que os santos o fazem no nível mais elevado. Não faça isso, não tente ser um mártir, é inútil. Não seja um exibicionista.
Sofra discretamente, tão discretamente que ninguém nunca saiba que você está sofrendo. E então medite sobre a dor: não a desperdice, acumule-a em seu interior, feche seus olhos e medite sobre ela. Assim a ponte é quebrada. Esta é a técnica para usar no sofrimento, use o sofrimento como um método.
É isto que Jesus pretende quando diz: “Bem-aventurado o homem que sofreu, ele encontrou a Vida”. O sofrimento pertence ao reino da morte, a consciência pertence ao reino da vida. Quebre a ponte e perceberá que algo em você, ao seu redor, está morrendo – o que pertence à morte; e algo dentro de você, sua consciência, não está morrendo, ela é imortal, pertence à vida. Por isso o sofrimento pode te dar as chaves da vida.
[1] No sentido de falhar ainda mais gravemente – Nota do Tradutor.
[2] No sentido de desenvolvidas espiritualmente – Idem.
[3] Como se os dois fossem apenas um, em profunda identificação (Nota do Tradutor).
[4] Usamos a palavra sacrifício devido à dificuldade de tradução direta. Tem-se a intenção de tratar aqui dos esforços desprendidos na busca do ascetismo religioso (Nota do Tradutor)
[5] Cabe lembrar que o autor é indiano escrevendo para indianos, os santos a que se refere nesta passagem são os faquires e congêneres, que passam por provações com intenção religiosa. (Nota do Tradutor).

Nenhum comentário: